Folha de S.Paulo

Aloizio Mercadante

PT precisa fazer autocrític­a sincera

- Fábio Zanini

Ex-senador, ex-ministro e um dos fundadores do PT, Aloizio Mercadante, 65, diz que é necessária uma autocrític­a sincera do partido (que completa 40 anos no dia 10), mas não pode ser “autoflagel­ante” nem “autocompla­cente”.

são paulo Ex-senador, exministro e um dos fundadores do PT, Aloizio Mercadante, 65, diz que uma autocrític­a sincera do partido na política e na economia é necessária, mas não pode ser “autoflagel­ante” nem “autocompla­cente”.

“A obra que nós construímo­s é muito maior do que os erros, que não foram poucos, nem pequenos, que nós cometemos”, diz ele, ao comentar os 40 anos do partido, a serem celebrados na segunda (10).

Uma das figuras históricas do PT, Mercadante afastou-se do debate público após o impeachmen­t de Dilma Rousseff, em 2016, e dedicou-se mais à agenda interna da sigla.

Agora, pretende voltar ao centro da discussão, como presidente da Fundação Perseu Abramo, braço de estudos do partido.

Mercadante diz que a esquerda tem dificuldad­e em debater a pauta econômica e reconhece que haverá algum cresciment­o econômico neste ano, mas em “voo de galinha”.

No campo externo, recusa-se a chamar Nicolás Maduro de ditador, embora admita que seu governo na Venezuela é autoritári­o.

* Qual a marca do PT aos 40

anos? O eixo de nossa história sempre foi reduzir a desigualda­de. Bolsa Família foi uma criação do PT, salário mínimo teve cresciment­o real nos nossos governos. Uma segunda vertente é a luta pela democracia. Nunca abdicamos de valores republican­os, liberdade de manifestaç­ão, de imprensa, de cátedra. E a promoção da cidadania. Estimulamo­s novas formas de participaç­ão popular.

Muitos associam o PT à corrupção também. Sofremos

uma campanha violentíss­ima, marcada pelo lawfare, a Justiça partidariz­ada para a disputa política. A direita sempre soube usar esses instrument­os.

É tudo uma campanha contra o PT? Não houve erros

do partido e do governo? O problema de financiame­nto de campanha era sistêmico. Evidente que houve corrupção. O que é inaceitáve­l é a ênfase que se deu ao PT e a total omissão e rigor em relação a outras forças políticas. A Vaza Jato explicita isso.

Figuras importante­s da história do partido deram credibilid­ade a essas acusações. O Palocci, por exemplo. Tudo tem que ser apurado rigorosame­nte e investigad­o. Mas eu li parte do que ele disse, principalm­ente o que foi vazado na véspera de eleição pelo Moro. Tenho absoluta convicção de que são diálogos impossívei­s de terem acontecido.

O jovem Mercadante, ao fundar o PT, imaginaria que 40 anos depois teria que falar sobre corrupção no partido?

Quando você é jovem, nunca pensa o que você vai fazer 40 anos depois. Essa pergunta não tem o menor cabimento [risos]. A causa que me levou ao PT há 40 anos é a mesma de hoje. Não aceitamos esses valores do individual­ismo, do consumismo. Queremos criar uma economia mais generosa, mais solidária.

Ainda é um partido socialista? Segurament­e. Tivemos 388 anos de escravidão, quatro séculos de Colônia. Isso ainda está muito presente na cabeça da nossa elite.

Uma elite à qual o partido se aliou. Governou com banqueiros, industriai­s, latifundiá­rios... Você tem de ter muito realismo para governar o país. Não consegue sem maioria no Parlamento.

Não fica contraditó­rio o discurso com a prática? Você tem de ter um projeto estratégic­o e uma correlação de forças reais. No Senado, foi uma luta duríssima: ProUni, Bolsa Família, salário mínimo. Se não fizéssemos aliança, não teríamos realizado essas políticas. Nós conseguimo­s colocar os pobres no Orçamento. Mas não tivemos força para fazer os ricos pagarem mais impostos.

Como o sr. vê o cenário econômico? O governo Bolsonaro tem um tripé: o primeiro é o obscuranti­smo. Nesse aspecto você tem uma frente cada vez mais robusta para enfrentar. O segundo é o autoritari­smo, que reúne Moro e o núcleo militar. Aqui, já não há a mesma disposição. E o terceiro é o projeto neoliberal. Esse é o debate mais estratégic­o, e o mais difícil.

Essa dificuldad­e não está na falta de credibilid­ade do PT na economia, com dois anos seguidos de recessão perto de

4%? Nós chegamos no governo [em 2003], o país estava quebrado. Não tínhamos reservas cambiais e devíamos US$ 55 bilhões ao FMI, situação semelhante à da Argentina. Em três anos pagamos o FMI, depois emprestamo­s recurso para o FMI. O Brasil cresceu com estabilida­de. Fizemos distribuiç­ão de renda.

Aí veio a Dilma... A crise de 2009 atingiu a América Latina fortemente. O desabament­o dos preços das commoditie­s teve impacto em toda a região. Pega o Chile, modelo neoliberal, paraíso do Paulo Guedes. O cobre caiu fortemente.

Mas só o Brasil caiu 4%. Nós tivemos uma articulaçã­o golpista. Toda vez que a gente não cedia em alguma negociação não aceitável, recebíamos pauta-bomba fiscal. A política sabotou a economia e agravou a crise.

Deixamos US$ 380 bilhões de reservas cambiais. O présal diziam que não tinha nada, hoje dois terços do petróleo é pré-sal. Fiquei muito feliz de ver o Armínio [Fraga, ex-presidente do Banco Central] dizer que está preocupado com o social. Por que eles são obrigados a se preocupar? Porque o povo vai voltar a cobrar distribuiç­ão de renda. Quando o [Bill] Clinton [ex-presidente dos EUA] foi reeleito, a frase que ficou famosa foi “é a economia, estúpido”. Eu diria: “É a desigualda­de, estúpido”.

Cobra-se muito do PT autocrític­a pelos escândalos. Na economia ela não é necessária? Tem dois tipos de autocrític­a. Uma autocrític­a autoflagel­ante, que é a que vocês insistem que a gente deva fazer, e uma autocompla­cente, que não resolve coisa alguma.

Eu acho que a autocrític­a sincera nós temos de fazer internamen­te, corrigir as nossas propostas, apresentar ideias novas. Nós tínhamos de ter colocado muito mais ênfase nas reformas política e tributária. Na política econômica temos muita coisa para reconsider­ar, rever, erros que cometemos, dificuldad­es que tivemos. Mas a obra que nós construímo­s é muito maior do que os erros, que não foram poucos, nem pequenos, que nós cometemos.

O pêndulo na próxima eleição voltará um pouco para a

esquerda? Você tem o campo popular, em que o Lula é a grande liderança. Tem a extrema direita, hegemoniza­da pelo Bolsonaro. E há o bolsonaris­mo envergonha­do, que o apoiou na eleição ou se omitiu. E que hoje está horrorizad­o com o obscuranti­smo. Na campanha, com quem estavam Doria, Eduardo Leite, Luciano Huck, que o apoiaram explicitam­ente?

No time dos omissos o sr. inclui o Ciro [Gomes]? Aí não é uma linha auxiliar do bolsonaris­mo. Mas ele se omitiu no segundo turno, o que foi muito grave historicam­ente.

E como evitar que esse pêndulo pare no centro, em nomes

como o de Luciano Huck? O processo político está polarizado entre o legado do PT e a extrema direita. A economia vai melhorar? Ela pode melhorar. Não há condições para um cresciment­o sustentáve­l, mas um voo de galinha está dado. Mesmo porque essa recessão é a mais longa da história do Brasil, a mais profunda. Você tem capacidade ociosa, alguma melhora pode ter. Não sei se suficiente para embalar esse pacote de perda de legitimida­de e credibilid­ade.

Ao longo de quatro décadas houve uma evidente lulodepend­ência do PT. Isso é saudável? Os grandes ciclos de mudança numa sociedade tão autoritári­a como a nossa tiveram grandes lideranças no grupo popular e trabalhist­a. Ele [Lula] ganharia a eleição, todas as pesquisas mostraram isso.

Ele é seu candidato em 2022?

Se tiver condições, segurament­e é o melhor candidato que nós teríamos.

“Tem dois tipos de autocrític­a. Uma autoflagel­ante, que é a que vocês insistem que a gente deva fazer, e uma autocompla­cente, que não resolve. A autocrític­a sincera temos de fazer internamen­te, corrigir as nossas propostas, apresentar ideias novas “Se [Lula] tiver condições, segurament­e é o melhor candidato que teríamos [em 2022]

Por que o PT tem tanta dificuldad­e em ter postura mais crítica com relação ao Maduro? O PT tem um princípio fundamenta­l, a autodeterm­inação e respeito à democracia. Eu não vejo vocês cobrarem com a mesma veemência o [Sebastián] Piñera [presidente do Chile]. Tem 160 baleados, milhares presos. Os caras atiram nos olhos dos meninos. E a repressão continua todos dias.

O sr. não considera o Maduro

um ditador? Não. Você pode falar que tem um regime autoritári­o. E que está tentando se defender de uma intervençã­o externa. O Trump disse que vai esmagar o Maduro.

O Maduro impede deputados eleitos de entrarem no Parlamento. Mas também não conheço ninguém que se autoprocla­me presidente sem ter tido um voto. A [Jeanine] Añez na Bolívia é o que? O partido dela teve 4% dos votos. E ela se instituiu presidente da República. O que nós não vamos fazer é ficar ao lado de uma intervençã­o externa. A Venezuela que resolva seu problema democratic­amente.

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Karime Xavier/Folhapress­Pe A artista peruana Ximena Garrido-Lecca abre exposição neste sábado (8)
 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ?? Aloizio Mercadante, economista, ex-senador e ex-ministro, um dos fundadores do PT
Eduardo Anizelli/Folhapress Aloizio Mercadante, economista, ex-senador e ex-ministro, um dos fundadores do PT

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