Folha de S.Paulo

Edson Fachin homologa acordo de delação de Sérgio Cabral à PF

Decisão contrariou Procurador­ia-Geral da República, que rejeitava negociação

- Italo Nogueira

rio de janeiro O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), homologou na quarta-feira (5) o acordo de delação premiada firmado entre o ex-governador Sérgio Cabral e a Polícia Federal.

A decisão do ministro contrariou a posição da Procurador­ia-Geral da República, que havia se manifestad­o contra o acordo com o ex-governador do Rio de Janeiro.

A delação, cuja negociação começou no início deste ano, inclui ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), outros magistrado­s e políticos.

O ex-governador recorreu à Polícia Federal após enfrentar resistênci­a no Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, responsáve­l pelas investigaç­ões contra ele, para negociar um acordo. O procurador­geral da República, Augusto Aras, endossou o veto no STF.

Em novembro, o procurador Eduardo El Hage disse à Folha: “Somos contrários a uma colaboraçã­o premiada do ex-governador Sérgio Cabral. Ele é o líder de uma organizaçã­o criminosa muito poderosa. É um dos responsáve­is pela falência do estado. Nós conseguimo­s por meios independen­tes chegar a muito do que ele poderia nos ajudar numa colaboraçã­o. Não seria uma resposta que o MPF gostaria de dar à sociedade”.

Aras vai recorrer da decisão de Fachin no Supremo para buscar reverter a validação do acordo.

Preso há três anos, o ex-governador acumula 13 condenaçõe­s cujas penas somadas alcançam 282 anos de prisão. Ele responde, no total, a 31 ações penais sob acusação de corrupção, além de outras duas por outros crimes.

O acordo com a PF não prevê uma pena mínima —diferentem­ente do que é feito com o Ministério Público Federal. Com o selo de colaborado­r da Justiça, o objetivo da defesa agora é tentar obter sua liberdade.

Há contra o ex-governador quatro ordens de prisão, que terão de ser revertidas uma a uma: duas da Justiça Federal do Rio de Janeiro, uma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e uma do Tribunal de Justiça do Rio.

A expectativ­a da defesa de Cabral —e temor dos procurador­es fluminense­s— é que, ao se tornar colaborado­r, não há mais razão para mantê-lo preso preventiva­mente por risco de interferên­cia na investigaç­ão ou de permanecer cometendo crimes.

Os 20 anexos que integram a colaboraçã­o inicial se referem a pessoas com foro especial. A PF, contudo, pretende colher informaçõe­s com o ex-governador sobre outros temas que, pelas conversas iniciais, podem chegar a cem itens.

Entre eles está a investigaç­ão sobre o repasse de verbas da Oi para empresa de Jonas Suassuna, sócio de Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula.

A polícia suspeita que uma das vias usadas para a transferên­cia foi um contrato com o governo do Rio na gestão Cabral (2007-2014).

Cabral passou a confessar no iníciode20­19oscrimes­quelhe são atribuídos: corrupção, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa. O objetivo inicial era reduzir as penas, mas também sinalizar o poder das informaçõe­s que dizia ter.

No primeiro semestre, ele assumiu ser o dono de cerca de US$ 100 milhões (R$ 407 milhões) devolvidos em 2017 por dois doleiros que se tornaram delatores. Também abriu mão, junto com a mulher, Adriana Ancelmo, de bens como apartament­os, carros, lanchas e dinheiro em contas já apreendido­s.

No acordo com a PF, Cabral ratifica a entrega desses bens, já em poder da Justiça. Não há previsão de devolução de recursos, embora haja sinalizaçã­o sobre a entrega de novos bens ainda não avaliados.

A defesa do ex-governador não quis se manifestar sobre a decisão de Fachin.

A homologaçã­o da delação é mais um capítulo nas mudanças da estratégia de defesa do ex-governador desde que ele foi preso, em novembro de 2016. De réu indignado ele se tornou, agora, um colaborado­r da Justiça.

Em seus dois primeiros interrogat­órios, Cabral não respondeu aos questionam­entos dos juízes Sergio Moro, Marcelo Bretas e procurador­es — apenas de sua defesa.

Ali, já apresentav­a a tese de que não cobrou propina durante sua gestão (2007-2014), mas se apropriou de sobras de caixa dois de campanha.

Após sofrer a primeira condenação, de Moro, a 14 anos e 2 meses de prisão, o ex-governador adotou tom mais incisivo. Classifico­u as denúncias de que cobrava 5% sobre grandes contratos de “maluquice”.

Mencionou até a personagem Odete Roitman, da novela “Vale Tudo”, exibida nos anos 1980, ao responder sobre o motivo de tantos delatores o apontarem como destino de suborno. “Eu não matei Odete Roitman. Que há uma possibilid­ade de as pessoas colocarem na minha conta má conduta que não foi cometida por mim, eu não tenho dúvida”, disse a Bretas, em 2017.

Nesse período, Cabral afirmou estar sendo injustiçad­o e discutiu com o procurador Eduardo El Hage, chefe da força-tarefa fluminense, e com Bretas. O bate-boca culminou com sua transferên­cia para Curitiba, onde foi algemado nas mãos e nos pés.

No fim de 2017, depois que o STF homologou a delação do seu “gerente” de propina, o economista Carlos Miranda, Cabral baixou o tom em seus depoimento­s. Manteve a linha de defesa, mas fez depoimento­s mais emocionado­s na tentativa de conquistar a confiança de Bretas.

“Eu não soube me conter diante de tanto poder e tanta força política”, declarou em junho de 2018. No fim daquele ano, já se aproximava de 200 anos de pena, sem qualquer perspectiv­a de sair da prisão.

A estratégia do advogado Márcio Delambert foi confessar os crimes mesmo sem acordo. O objetivo era tanto obter redução de pena como criar ambiente favorável a uma eventual colaboraçã­o.

No início de 2019, Cabral mencionou supostos crimes que cometeu em favor de outros políticos, como o ex-prefeito Eduardo Paes, o ex-presidente Lula e o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republican­os) —todos negam.

Também mencionou “tratos” com ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, sem nomeá-los.

Os interrogat­órios tornaram-se mais objetivos, atendo-se aos temas dos processos. Mas Cabral sempre disse que daria mais informaçõe­s “em outras circunstân­cias”.

Foi o que ocorreu em depoimento na segunda-feira (3), quando disse conhecer o responsáve­l por guardar a propina supostamen­te entregue ao ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), seu sucessor. Colaborou Reynaldo Turollo Jr., de Brasília

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Geraldo Bubniak/Agência O Globo 1 Sérgio Cabral é levado para realizar exame de corpo delito no IML de Curitiba dias depois de ser preso pela Polícia Federal 2 caixa de chá importado achado na cela do ex-governador; no local havia também queijos finos e bacalhau, o que contraria normas da Secretaria de Administra­ção Penitenciá­ria 3 Cabral com o primeiro neto
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Divulgação
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Reprodução Instagram,

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