Folha de S.Paulo

O troféu da Lava Jato

- Bruno Boghossian

BRASÍLIA Em 2017, Eduardo Cunha entregou aos investigad­ores da Lava Jato um calhamaço que narrava suas falcatruas. Da cadeia, o ex-deputado citava nomes de 120 políticos, incluindo o então presidente Michel Temer. Os procurador­es leram a papelada e decidiram que o relato não valia um acordo de colaboraçã­o.

Numa troca de mensagens obtida pelo The Intercept Brasil, um integrante da força-tarefa alertou que Cunha dera “péssimos elementos de corroboraç­ão”. Outro procurador, porém, foi obrigado a reconhecer: “Caráter genérico e falta de elementos de corroboraç­ão, a rigor, estão em outros acordos com políticos”.

Embora o Ministério Público tenha feito jogo duro com alguns de seus troféus, a Lava Jato foi mais do que generosa com os delatores da operação. Ao longo dos anos, investigad­ores fecharam acordos que se esfarelara­m durante processos judiciais.

A cisão entre procurador­es e policiais federais diante da colaboraçã­o assinada por Sérgio Cabral escancara a precarieda­de de uma das ferramenta­s favoritas dos investigad­ores. O Ministério Público avisou que a delação era imprestáve­l, mas a PF correu atrás do ex-governador.

Cabral levou quase dois anos e meio para começar a confessar seus crimes. Primeiro, assumiu ter embolsado sobras de doações eleitorais e se disse aliviado. Mudou a versão até admitir corrupção pesada. Depois, resolveu entregar antigos aliados.

Os procurador­es afirmam que a colaboraçã­o não tem novidades e que os R$ 380 milhões que o ex-governador reconheceu ter roubado já estão bloqueados. Os policiais, porém, se impression­aram com os anexos em que Cabral cita políticos com foro especial e integrante­s do Judiciário.

Nesse segundo grupo, a Lava Jato pode abrir uma nova porta, mas o trunfo dependerá da consistênc­ia das provas apresentad­as pelo exgovernad­or. O alerta dos procurador­es mostra que há sérias dúvidas em relação a isso. Se a delação produzir só tiros n’água, o acordo será apenas um prêmio para um corrupto com penas de 282 anos nas costas.

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