Folha de S.Paulo

Kiss kiss, bang bang

- Ruy Castro

rio de janeiro Todos os garotos da minha geração brincaram de mocinho e bandido. A coisa consistia em um perseguir o outro num cavalo imaginário e “rendê-lo”, mandando-o levantar os braços diante de um revólver também imaginário —ou não. Alguns dos meninos, como eu, ganhavam, no Natal ou no aniversári­o, um cinturão de couro equipado com dois revólveres da Estrela. Eles eram enfiados nos coldres —estes, às vezes, mais compridos do que nossas calças curtas— e sacados com a maior velocidade, ou assim pensávamos. Os tiros eram de espoleta e faziam traque. Quem levasse um tinha de “morrer”.

Evidente que, a partir dos sete ou oito anos, só os mais idiotas continuava­m brincando de caubói. Já então tínhamos sido apresentad­os a outros prazeres, entre os quais trocar beijos com a amiga da irmã na escada de serviço do prédio, com o que, de repente, os revólveres pareciam bobos. Mas sempre haveria aqueles que nunca sairiam dessa fase. Os Bolsonaro, por exemplo.

É uma ideia fixa, uma obsessão, uma doença de família. Onde quer que estejam, há sempre uma arminha de mentira ou de verdade, esta na cintura, à vista, numa machice que intriga pelo despropósi­to —o que ela estará tentando esconder?

Como não tem graça brincar sozinho, os valentes Bolsonaro, agora no poder, dedicam-se a armar a população. Em 2019, civis compraram a mesma quantidade de munição que as forças de segurança pública: 32 milhões de projéteis. Isso também supera em 143% o que o Exército adquiriu no mesmo período. Não satisfeito, na semana passada, o governo quadruplic­ou o número de munições permitidas para compra por civis com posse ou porte de arma.

Para provar que não há nenhum risco nessa estupidez, o velho Bolsonaro já disse que, desde os cinco anos, seus filhos atiravam com munição de verdade. Se foi assim, só se pode lamentar a péssima pontaria dos garotos.

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