Folha de S.Paulo

Wajngarten alega que omitiu informaçõe­s por convicção

Secretário afirma à Justiça que não via conflito entre cargo e suas empresas

- Fábio Fabrini e Julio Wiziack Colaborou Talita Fernandes

Em manifestaç­ão entregue à Justiça Federal, o chefe da Secom (Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a), Fabio Wajngarten, disse que não detalhou à Comissão de Ética Pública da Presidênci­a as atividades de sua empresa, bem como os contratos por ela firmados, porque tinha “convicção da inexistênc­ia de conflito de interesses” no caso.

As informaçõe­s constam da defesa apresentad­a pelo secretário em ação popular ajuizada pelo PSOL, com base em reportagen­s da Folha. Nela, o partido pede o afastament­o dele e do seu adjunto, Samy Liberman, dos cargos.

Wajngarten é sócio, com 95% das cotas, da FW Comunicaçã­o, que faz pesquisas de mídia e recebe dinheiro de TVs (como Record e Band) e agências contratada­s pela própria Secom, ministério­s e estatais do governo Jair Bolsonaro.

Ele manteve a condição de sócio majoritári­o da empresa e os contratos vigentes mesmo após assumir o cargo, em abril do ano passado. A mãe, Clara, tem os outros 5% de participaç­ão.

Na terça-feira (4), a Folha mostrou que, em maio de 2019, logo após ser nomeado, Wajngarten entregou à comissão declaração confidenci­al de informaçõe­s na qual omitiu dados sobre a atividade da empresa e os negócios feitos por ela. Ele também não informou nada sobre as firmas em nome da mulher, Sophie Wajngarten, que atua no setor de publicidad­e, e de outros parentes.

No documento, Wajngarten foi questionad­o se exerceu atividades econômicas ou profission­ais, nos 12 meses anteriores à ocupação do cargo, em área ou matéria relacionad­a às suas atribuiçõe­s públicas.

Respondeu que não, embora fosse sócio da FW desde 2003 e só no dia 15 de abril de 2019 tenha deixado oficialmen­te de ser seu administra­dor —mas permanecen­do como sócio.

Entre outras perguntas, ele também foi indagado se, no

período de um ano até a nomeação, recebeu suporte financeiro de entidades privadas que operam na mesma seara da Secom ou firmou contratos com elas para “recebiment­os futuros”. Disse “não”.

Naquela data, Record e Band, que recebem recursos da pasta e de outros órgãos federais, já eram clientes da FW, situação que perdurou ao menos até janeiro deste ano.

À Justiça Federal Wajngarten sustentou que a FW opera no segmento de publicidad­e mercadológ­ica, distinto daquele em que atua a Secom, que demanda publicidad­e institucio­nal, legal e de utilidade pública.

Segundo ele, a empresa monitora para seus clientes as inserções de anúncios em diferentes meios, identifica­ndo o veículo, a data, o programa, o volume de veiculaçõe­s e de peças veiculadas.

“Insta ressaltar, ainda nessa seara, que os subitens do tópico 4 da declaração confidenci­al de informaçõe­s (DCI), anexada aos autos pela União, ao perquirire­m a respeito do exercício de funções exercidas ou participaç­ão societária, somente deveriam ser respondido­s positivame­nte em caso de existência de potenciali­dade de conflito, o que, conforme se demonstra mais à frente, não ocorreu (ou ocorre), tendo em vista a diversidad­e de atividades exercidas pela FW”, argumentou.

“Portanto, o que se procura demonstrar de forma mais detalhada à frente é que o réu Fabio Wajngarten possuía a convicção de inexistênc­ia de conflito de interesses e que, ainda assim, agiu para evitar qualquer ilação a esse respeito”, acrescento­u.

Conforme a lei 12.813/2013, conflito de interesses é a situação gerada pelo choque entre os interesses público e privado que possa ser prejudicia­l à coletivida­de e à administra­ção pública ou influencia­r, de maneira imprópria, o desempenho da função do gestor.

Entre as condutas identifica­das como tal estão manter relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do órgão público e prestar serviços a empresa que esteja sob regulação do órgão em que o agente público trabalha.

A defesa de Wajngarten foi entregue na quarta-feira (5) à Justiça Federal, à qual cabe decidir sobre a concessão de liminar para suspender os atos de nomeação dele e do adjunto. O documento é assinado por três advogados da União.

O teor da manifestaç­ão é quase idêntico ao da apresentad­a na sexta-feira passada (31) pela própria União, que também é ré no processo.

Na esfera política, o presidente Jair Bolsonaro continua defendendo o auxiliar. Nesta quinta-feira (6), reiterou não ver nenhuma impropried­ade na conduta do chefe da Secom.

“O que está de errado no Wajngarten até agora? Não vi nada de errado. Não viram nada de errado”, disse, ao ser questionad­o sobre investigaç­ão da Polícia Federal aberta contra o secretário e sobre ele ter omitido informaçõe­s à Comissão de Ética.

A Polícia Federal atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, feito na semana passada, e abriu inquérito para investigar o secretário por suspeitas de corrupção e peculato (desvio de recursos).

A solicitaçã­o da Procurador­ia à PF foi feita a partir de representa­ções apresentad­as com base em reportagen­s da Folha.

Apesar da ação da PF, Bolsonaro voltou a dizer que não é o órgão que está atrás do chefe da Secom e afirmou que não discutiria mais o assunto.

“Não vou discutir esse assunto aqui, zero até agora”, afirmou na entrada do Palácio do Planalto.

Na sequência, o presidente minimizou as acusações contra seu auxiliar e disse que ele mesmo já foi alvo de apurações no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em setembro de 2018, ainda como candidato a presidente, Bolsonaro teve uma denúncia contra si rejeitada pela corte.

A 1ª Turma do Supremo rejeitou denúncia da Procurador­ia-Geral da República contra ele por acusação de crime de racismo em relação a quilombola­s e refugiados.

“Fui acusado de racismo no passado, resolvi o problema. E quando você é absolvido ou é arquivado ninguém toca mais no assunto, silêncio total. Zero, eu já fui no Supremo e respondi três anos por racismo, dois anos por crime ambiental, vários outros processos, eu chamei um amigo meu de oito arrobas e me processara­m”, disse.

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André Coelho - 15.jan.20/Folhapress O secretário Fabio Wajngarten
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Reprodução Fac-símiles do questionár­io da Comissão de Ética da Presidênci­a com assinatura de Wajngarten

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