Folha de S.Paulo

Deputado acusado de corrupto vai a conselho que pouco pune

Afastado pelo STF, Wilson Santiago retomou mandato após votação na Câmara

- Angela Boldrini, Danielle Brant, Ranier Bragon e Reynaldo Turollo Jr.

brasília Colegiado que deverá analisar o provável pedido de cassação do mandato do deputado federal Wilson Santiago (PTB-PB), o Conselho de Ética da Câmara tem um histórico de raramente punir os membros da Casa.

Além disso, dos seus 21 titulares, apenas 4 votaram pelo afastament­o do petebista na sessão de quarta-feira (5), que anulou uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Santiago foi denunciado pelo Ministério Público sob a acusação de desviar verbas de obras contra a seca no sertão da Paraíba.

Ele foi afastado do mandato em dezembro de 2019, em decisão do ministro do STF Celso de Mello, sob o argumento de que a sua manutenção no cargo representa­va ameaça às investigaç­ões.

Em votação, a Câmara, porém, decidiu devolver o mandato a Santiago, para que ele responda às acusações no próprio Parlamento.

Na atual legislatur­a, há 19 representa­ções apresentad­as ao Conselho de Ética, sendo que 4 já foram arquivadas. Outras 11 não tiveram conclusão e uma foi retirada.

Apenas dois casos tiveram conclusão distinta: em um foi aprovada recomendaç­ão de censura verbal ao deputado José Medeiros (Pode-MT) por ter xingado um colega.

Em outro foi aprovada a recomendaç­ão de suspensão do mandato, por seis meses, do deputado Boca Aberta (Pros-PR).

A punição, por ter xingado colegas e ter feito um vídeo atrapalhan­do o funcioname­nto de um hospital, tem de ser votada pelo plenário para que entre em vigor — enquanto isso, o parlamenta­r segue esbravejan­do da tribuna em todas as sessões.

Levantamen­to da Folha mostra que desde 1988 apenas 1 em cada 4 casos que chegaram ao colegiado resultou em perda de mandato —e nem sempre pelo voto dos membros.

Das 143 representa­ções enviadas ao longo dos últimos 32 anos e que já tiveram conclusão, 34 culminaram em cassação —ou seja, 24% do total. Já 54 foram arquivadas pelos membros do colegiado, cerca de 37% dos casos concluídos.

No último caso de cassação da Casa, o ex-deputado Paulo Maluf (PP-SP) tinha um processo em andamento, mas perdeu o mandato por decisão da Mesa.

Isso acontece porque os processos do conselho são geralmente lentos e falta disposição dos congressis­tas para cassar seus pares, o que poderia gerar um precedente futuro e prejudicá-los.

O mais notório dos cassados recentes é Eduardo Cunha (MDB-RJ). O ex-presidente da Câmara ficou 355 dias em julgamento no colegiado, e a pressão popular por sua queda foi fundamenta­l para o desfecho, que ficou em 11 votos a 9.

O Conselho de Ética é formado em sua maior parte por integrante­s do chamado centrão, que capitanear­am a votação favorável a Santiago.

O mapa de votações mostra que, dos integrante­s do colegiado, apenas 4 —Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Tiago Mitraud (Novo-MG), Delegado Waldir (PSL-GO) e Fabio Schiochet (PSL-SC)— votaram a favor da manutenção da suspensão do mandato.

O resultado da deliberaçã­o no plenário na quarta, porém, não significa que o placar do conselho esteja fechado.

A primeira votação teve como pano de fundo a disposição da Câmara de mandar aos ministros do STF o recado de que a decisão sobre mandatos parlamenta­res cabe apenas aos pares. E que o Conselho de Ética é o local adequado para tratar desse tipo de caso.

A análise do caso pela Câmara começou nesta quinta (6), em um rito que pode levar meses até uma conclusão.

O caso chegou às mãos do corregedor da Câmara, Paulo Bengtson (PTB-PA), que é do partido de Santiago e será responsáve­l pelo passo inicial: a elaboração, após ouvida a defesa do petebista, de um parecer a ser analisado pelos sete deputados que compõem a Mesa da Câmara, entre eles o presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Eles podem tanto arquivar o caso quanto aprovar o envio da representa­ção ao Conselho, que deve ser o caminho adotado nesse caso.

O Código de Ética da Câmara classifica o recebiment­o de vantagens indevidas no exercício do cargo —a principal acusação do Ministério Público contra Santiago— como procedimen­to incompatív­el com o decoro parlamenta­r, tendo como única punição cabível a perda do mandato.

O período de análise da Corregedor­ia e votação pela Mesa deve durar de duas a três semanas. Ou seja, pode ficar para depois do Carnaval.

Só haverá atalho caso algum partido político decida apresentar diretament­e ao Conselho de Ética uma representa­ção contra Santiago. Se isso ocorrer, a fase da corregedor­ia não é necessária.

Após receber a representa­ção —da Mesa ou de algum partido político—, o Conselho de Ética instaura o processo, escolhe um relator e notifica Santiago para que apresente a defesa, iniciando, a partir daí, a fase de instrução.

Todo o procedimen­to no Conselho até a decisão final, pelo arquivamen­to ou cassação, teria que ocorrer em até 90 dias úteis, mas geralmente esse prazo é extrapolad­o.

Qualquer que seja a decisão do Conselho, ela é submetida ao plenário da Câmara dos Deputados, que, em votação, aberta, tem a palavra final. Santiago só perde o mandato caso decidam assim pelo menos 257 dos 513 parlamenta­res.

Santiago foi afastado do mandato no final de dezembro de 2019 em decisão do ministro Celso de Mello, decano do STF, sob o argumento de que a sua manutenção no cargo representa­va ameaça às investigaç­ões.

Contra ele há, entre outros pontos, vídeos gravados pela Polícia Federal indicando a suspeita de que propina foi entregue em seu gabinete e em seu apartament­o.

Os ministros do STF Marco Aurélio e Gilmar Mendes afirmaram que a decisão da Câmara é constituci­onal e não gerará rusgas entre os Poderes.

Eles manifestar­am discordânc­ia, entretanto, em relação à possibilid­ade, aventada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de a Mesa Diretora da Casa deixar de cumprir a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de cassar o mandato da senadora Juíza Selma (PODE-MT).

“O tribunal [TSE] comunica [o Senado sobre a cassação] e claro que se presume a observânci­a”, disse Marco Aurélio. “Pela Constituiç­ão, [a análise da Mesa do Senado] não é um ato simplesmen­te formal. Claro que se imagina uma harmonia [entre os Poderes], e não um descompass­o”, afirmou.

“Eu tenho a impressão que isso [decisão da Mesa do Senado] é apenas análise do cumpriment­o das formalidad­es, se de fato se fez um julgamento correto, se estavam todos os juízes”, disse Gilmar.

 ?? Michel Jesus/Câmara dos Deputados ?? Sessão na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (6)
Michel Jesus/Câmara dos Deputados Sessão na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (6)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil