Estudante ruivo diz ser pardo e entra por cota em medicina na Bahia
vitória da conquista (ba) Um homem de 38 anos de pele clara e cabelo ruivo obteve vaga no curso de medicina da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) após concorrer nas cotas raciais e se autodeclarar pardo no momento da matrícula.
O caso está sendo investigado pela universidade, no campus de Vitória da Conquista, por meio de um processo administrativo, após denúncia de um concorrente que se diz pardo —filho de pai negro e mãe branca.
Michelson Medonça da Silva está no primeiro semestre de medicina. Ingressou na universidade após fazer o vestibular de 2019 e obter vaga pelas cotas raciais, destinadas a negros e pardos.
O edital do vestibular exige que, no momento da matrícula, o candidato que concorre a cotas raciais se autodeclare negro ou pardo. Não há verificação presencial para confirmar a informação.
Essa forma de ingresso de alunos que concorrem a cotas raciais é cercada de polêmicas na Bahia e já foi alvo de críticas também na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), onde pessoas brancas entraram em medicina pelas cotas raciais.
Por conta disso, a UFMG passou a adotar a averiguação presencial das autodeclarações no vestibular de 2019 por meio de uma banca. No mesmo ano, UFBA (Universidade Federal da Bahia), também por conta de tentativas de fraude, implantou o mesmo sistema de verificação.
De acordo com a UFBA, “a verificação é pelo caráter fenotípico, não é ascendência, pois entende-se que, no campo das relações sociais no Brasil, a questão do racismo focado no fenótipo é muito mais forte do que o racismo calcado em origem ou outros elementos, como religião e cultura”.
O investigado tem entendimento contrário do da UFBA. Mesmo dizendo ser ruivo, ele se considera pardo porque tem uma avó negra.
“A questão étnico-racial é de identidade cultural, de como a pessoa se vê em sua comunidade. Em minha parte, não há nada ilegal, fiz tudo baseado no edital, já esclareci à universidade. Não tenho o que temer disso aí”, disse Silva, ao se referir ao processo administrativo. “Só eu nasci ruivo na família.”
Afirmou ainda que, antes da matrícula, ligou para a Uesb para perguntar se teria alguma averiguação sobre a autodeclaração. “Disseram que é questão de etnia, que ninguém vai apurar questão fenotípica nenhuma.”
Em nota, a Uesb disse que apura o caso, no qual “os interessados já foram ouvidos e a denúncia está sob análise da Procuradoria jurídica”.
A instituição, porém, não informou sobre prazo final do processo nem deixou claro se há perspectivas de a instituição averiguar presencialmente as declarações.
“Atualmente, a matrícula dos aprovados pelo sistema de reserva de vagas se dá pela autodeclaração. A Uesb vem discutindo e se movimentando no sentido de aprimorar o processo, com a implantação de um comitê de avaliação para assegurar a transparência e a segurança dos candidatos”, diz o comunicado.
A universidade foi informada do caso de Silva em fevereiro de 2019, logo após o resultado do vestibular. No curso de medicina, são cinco vagas para cotas raciais.
O denunciante, que não quis revelar o nome, ficou em sexto lugar e procurou os aprovados para saber se haveria desistência. Foi quando viu Silva e diz que achou injusto que ele tenha entrado pelas cotas raciais.
A Uesb possui reserva de vagas desde 2008, por meio da resolução 036 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe), que criou o Programa de Ações Afirmativas, no qual foi incluso o Sistema de Reserva de Vagas Combinadas, com cotas adicionais.
Desde então, das vagas disponibilizadas para o vestibular, nos três campi (Vitória da Conquista, Jequié e Itapetinga), metade é destinada à reserva de vagas para alunos de escolas públicas e que se declaram negros e pardos, para os quais são reservadas 70% dessas vagas.
Os oriundos de escolas públicas que não se declaram negros no ato da inscrição concorrem a 30% das vagas reservadas restantes. Há ainda as cotas adicionais, que correspondem ao acréscimo de uma vaga por curso para indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.
Dentre os cotistas, a exigência maior é para os candidatos às cotas adicionais. Índio e quilombola só ingressam na Uesb com laudo antropológico ou certidão da Fundação Nacional do Índio e Fundação Cultural Palmares —no caso dos quilombolas. Já a pessoa com deficiência precisa de laudo médico.
Ainda assim, já houve fraudes: em 2017, sete alunos (cinco de medicina, um de direito e um de odontologia) foram expulsos por fraudes nas cotas destinadas aos quilombolas —descendentes de negros escravizados.
No final de semana passado, a Uesb realizou o vestibular para mais de 12 mil inscritos para 1.186 vagas
Depois de implantar a aferição presencial das autodeclarações, a UFBA impediu, em 2019, o ingresso de 42 candidatos porque, de acordo com a instituição, “não apresenta traços fenotípicos que o identifica como sendo uma pessoa negra na sociedade brasileira”.