Em SP, marchinhas e ‘anjos’ buscam combater abuso sexual no Carnaval
Folia de 2020 será a segunda sob a lei de importunação sexual, que pune atos como ‘roubar’ beijo
são paulo Para tentar frear casos de abuso sexual durante o Carnaval de rua de São Paulo, organizadores da festa, blocos e marcas apostam em marchinhas, “anjos” guardiões, rodas de conversa e tatuagens com “Não é Não” escrito em neon.
A folia deste ano será a segunda com a lei de importunação sexual em vigor (foi sancionada em setembro de 2018). O crime é definido como a prática de ato libidinoso contra alguém, sem consenso, para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Estão inclusos atos como “roubar” beijo, tocar nos seios, na genitália ou nas pernas de alguém sem permissão e se masturbar ou ejacular em uma pessoa. A pena prevista é de 1 a 5 anos de reclusão.
Em 2019, a prefeitura lançou as “anjas do Carnaval”, voluntárias que se infiltram na multidão para prevenir casos de abuso e acolher folionas em situação de vulnerabilidade (vítimas de importunação ou alcoolizadas, por exemplo).
A novidade deste ano é que haverá também “anjos”, segundo a Secretaria Municipal de
Direitos Humanos e Cidadania, agentes focados nos foliões que ultrapassarem limites. O objetivo é incluir os homens no combate ao assédio.
Serão 50 voluntários e voluntárias com alguma atuação na área de humanas ou que participam de grupos que lidam com violência de gênero. Atuarão de 22 a 25 de fevereiro nos cortejos da capital.
As vítimas poderão ser atendidas no Ônibus Lilás, unidade móvel da Coordenação de Políticas para as Mulheres que terá psicóloga e assistente social. A prefeitura afirma não ter dados sobre atendimentos no coletivo na festa de 2019.
Diz que não houve situações nos últimos dois anos que exigiram a intervenção da equipe do ônibus. Casos de embriaguez são mais recorrentes, e os agentes prestam auxílio.
Além do veículo, haverá também tendas ao longo do trajeto do cortejo para apoiar folionas. A pasta prepara ainda um manual com informações sobre abuso e importunação e como reagir a uma situação de violação de direitos.
O governo do estado, por meio da Coordenação de Políticas para a Mulher, vai investir em rodas de conversa sobre abuso sexual. Serão realizadas nos CIC (Centros de Integração da Cidadania) da Barra Funda (dia 17, às 10h) e do Jaraguá (dia 19, às 11h), e o público-alvo são moradores do entorno dos centros.
Os debates terão a participação da médica e coordenadora de políticas para a mulher, Albertina Duarte, além de psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e neurologista. Preservativos, doenças sexualmente transmissíveis e outros assuntos ligados à saúde da mulher serão temas.
A SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) afirmou, em nota, que serão intensificadas ações preventivas e ostensivas de policiamento no Carnaval para “combater as práticas criminais, inclusive as de cunho sexual”.
Diz ainda que serão instalados ao menos oito postos de apoio nos principais corredores de desfiles de blocos e no Sambódromo, todos com policiais femininas para atender vítimas de violência.
Drones irão monitorar os locais em tempo real —as imagens serão analisadas para “identificar atitudes suspeitas em meio aos foliões e nas áreas próximas ao evento”.
Os blocos também se movimentam para criar estratégias de combate ao abuso.
Pela primeira vez, representantes femininas dos cortejos criaram uma comissão para sugerir ao poder público ações para combater o abuso sexual, garantir a segurança e aumentar a representatividade das mulheres na festa.
Criada em agosto de 2019, é composta por mais de 70 mulheres, entre produtoras, cantoras e músicas, de mais de 50 blocos. “Carnaval para a gente é celebração, arte, música e alegria. Queremos vivê-lo de forma livre, tranquila e segura”, diz Lívia Nolla, uma das integrantes e fundadora do bloco Elástico. “Vimos a necessidade de unir as mulheres para a luta ganhar força.”
Sugeriram ao governo, por exemplo, cartilha contra o assédio, postos de atendimento a mulheres e a distribuição de água e camisinhas (masculinas e femininas). Algumas sugestões foram acatadas, outras ainda não, diz Nolla.
No Carnaval, pretendem orientar mulheres a procurar a organização dos blocos caso tenham sido vítimas de constrangimento e a se acolherem mutuamente. E também cantar jingle contra o assédio.
Há outras iniciativas, individuais. O bloco Siriricando, por exemplo, formado por mulheres lésbicas e bissexuais e cujo símbolo é uma vulva com asas (“que as asas possam levar as xoxotas para lugares longe do assédio, do preconceito e do medo”, diz a descrição do bloco em rede social), criou paródias de marchinhas.
É o caso de “Olha a Atitude do Mané”, versão da famosa “Cabeleira do Zezé”, e “Mulher Não É Coisa, Não!”, inspirada em “Cachaça Não é Água”.
A primeira, conta Barbara Falcão, integrante do bloco, costuma ser tirada da cartola quando ocorre algum caso de assédio. “Será que ele é esquerdomacho? Talvez seja só um cuzão. Certeza que é bem cretino. Não vê que tem só sapatão”, diz um trecho.
O bloco Eu Acho é Coco também aposta em músicas para conscientizar. No repertório, há músicas que tratam de assédio sexual, moral e psicológico, como “Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares, e “Seu Grito”, de Aurinha do Coco.
E a folia terá também as já consagradas tatuagens temporárias do coletivo feminista “Não é Não”. A novidade será a versão em neon da tatuagem, alinhada com a estética carnavalesca do momento, além da preta e da branca.
Serão distribuídas 50 mil tatuagens gratuitamente no estado. Para isso, campanha de financiamento coletivo online arrecadou mais de R$ 10 mil.
Há ainda estratégias online contra abuso. O bloco Siga Bem Caminhoneira fez uma campanha nas redes sociais para lembrar que o assédio pode ocorrer “de forma sutil e imperceptível” e que é preciso “tomar cuidado com as suas atitudes e respeitar o espaço da outra”. As organizadoras também falam de racismo, homofobia e gordofobia na “campanha antiopressão”.
Já o Agrada Gregos, um dos maiores blocos da capital, planeja fazer lives no Instagram e postagens contra preconceito e assédio no período da festa.
Redes sociais e aplicativos de relacionamento também têm táticas nas redes. O Badoo, em parceria com produtores de conteúdo online, planeja publicar e promover material para alertar o público masculino sobre como deve se comportar. Também fará inserções de frases anti-assédio no aplicativo.
A capital paulista terá um número recorde de blocos em 2020: serão 678 desfiles, crescimento de 38% em relação ao ano passado, quando saíram 490. Será a primeira vez em que haverá desfiles em todas as 32 subprefeituras.
O Carnaval de São Paulo acontece, oficialmente, de 22 a 25 de fevereiro. Mas o ápice da folia será no dia 15, quando ocorrerão 141 desfiles. A semana após o fim da festa também será movimentada: no dia 29, haverá 109 desfiles.