Folha de S.Paulo

Quase mil PLs propõem retrocesso ambiental, diz deputado

- Ana Carolina Amaral

são paulo De volta ao plenário da Câmara na terça (4) após o recesso parlamenta­r, o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP) se prepara para avaliar projetos de lei propondo alterações que diminuem a proteção ambiental.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, ele aposta na pressão internacio­nal para convencer a bancada ruralista a conter o que considera retrocesso­s na legislação. Ele também diz que o Congresso está dividido, o que poderia evitar a aprovação no plenário de agendas negativas para o meio ambiente.

Sua preocupaçã­o imediata é o projeto de lei que altera licenciame­nto ambiental. O projeto propõe flexibiliz­ar o licenciame­nto ambiental, com o objetivo de agilizar a obtenção de licenças. A última versão do texto prevê licenças automática­s em casos de decurso de prazo e licenças autônomas, que poderiam ser emitidas pelo próprio empreended­or.

“O PL traz coisas assustador­as para um país que vivenciou os casos de Mariana e Brumadinho”, diz ele. ”

Qual sua avaliação sobre o primeiro ano do governo na área ambiental?

O ano de 2019 foi muito desafiador, não apenas porque houve uma mudança estratégic­a do ponto de vista de como a questão ambiental é pensada, mas também porque tivemos questões extraordin­árias, que já começaram com [o rompimento da barragem de] Brumadinho. Ao longo do ano, a gente foi ficando muito apreensivo porque as principais estruturas de controle social foram desmontada­s, como os conselhos.

Até a metade do ano os superinten­dentes do Ibama não tinham sido nomeados, o ministro abriu mão de recursos do Fundo Amazônia, do Fundo Clima e do fundo de multas, que inclusive já havia selecionad­o projetos para recuperar rios como o São Francisco e o Parnaíba e esses projetos foram abandonado­s.

Começamos a ter reações de órgãos internos do governo, como o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e da academia. Aí vieram os resultados dos incêndios, que confirmara­m os alertas de desmatamen­to do Inpe. E no final do ano, ainda teve a história do óleo no Nordeste.

A Câmara acabou criando comissões externas e CPIs [Comissão Parlamenta­r de Inquérito], tanto para Brumadinho quanto para as questões do desmatamen­to e do óleo. Foram 70 audiências públicas, mais 53 reuniões da Comissão de Meio Ambiente. Ainda conseguimo­s aprovar 40 projetos e segurar muita coisa da agenda do retrocesso, como a MP [medida provisória] que seria um desastre para o Código Florestal.

Nos últimos dias apareceram alertas de PLs [projetos de lei] que propõem redução da proteção ambiental.

Alguns desses PLs a gente já esperava. Quase mil projetos tramitam hoje entre Câmara e Senado propondo algum retrocesso na legislação ambiental.

Durante o recesso, surgiram outros projetos de retrocesso. O senador Flávio Bolsonaro protocolou um projeto que acaba com a Estação Ecológica de Tamoios, que fica entre Angra dos Reis e Paraty, para criar uma área turística, cumprindo a promessa do pai de transforma­r a área em uma Cancún brasileira.

Um deputado do Mato Grosso, Emanuel Pinheiro, apresentou projeto para asfaltar a transpanta­neira, o que pode acabar facilitand­o a entrada da cana-de-açúcar em áreas protegidas e ameaçando o turismo do pantanal.

Dois parques importante­s também estão sendo transforma­dos em APA [Área de Proteção Ambiental, categoria menos rigorosa de conservaçã­o]: o parque nacional Lagoa do Peixe (RS) e o parque nacional do Divisor (AC).

A legislação mexendo com parques não conseguiri­a ser pautada dentro da Câmara, porque grande parte dos deputados é urbana e não está a fim de se indispor com eleitores por situações pontuais.

A agenda de retrocesso­s começa quente. Vai ser um ano de muita resistênci­a e de tentar algum avanço.

Qual sua preocupaçã­o mais imediata neste retorno das atividades do Congresso?

A mais imediata é que a gente vote um texto de licenciame­nto ambiental que compatibil­ize eficiência com sustentabi­lidade. A gente corre o risco de ter um texto que traga mais inseguranç­a para quem quer investir. A gente pode ter um texto bom, que una as duas coisas. A maior preocupaçã­o é esse texto, que pode ser votado a qualquer momento.

Eu também defendo um sistema mais eficiente, mas não ‘libera geral’. O que estão colocando é a existência de uma licença automática, por decurso de prazo, e licença autônoma emitida pelo próprio empreended­or. São coisas assustador­as para um país que viveu os casos de Mariana e Brumadinho.

A última versão do texto disponível acaba com a avaliação de risco. Muitas obras têm baixo impacto ambiental, mas risco alto. Uma barragem de mineração em uma área degradada, por exemplo, tem o impacto ambiental pequeno, mas o risco é grande.

O mercado de seguros consegue avaliar atividades a partir da análise do risco. Sem ela, deve aumentar o preço do seguro. A licença rápida pode sair cara para o empreended­or.

O último texto também acaba com a avaliação de impactos indiretos. A gente vai tentar reverter ou então se posicionar contra.

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