Folha de S.Paulo

Na excelente ‘Sra. Wilson’, atriz vive a própria avó enganada por avô bígamo

- Luciana Coelho criticaser­ial@grupofolha.com.br

Alison Wilson tinha 43 anos e dois filhos adolescent­es quando ficou viúva inesperada­mente. Em poucos dias ela descobriri­a que esse era o menor de seus problemas.

A história da secretária britânica que conheceu o amor de sua vida durante a Segunda Guerra, passou 20 anos e uma série de privações com ele, e ao enviuvar descobriu ter vivido com um polígamo que deixara outras três famílias estupefata­s é o que conduz a minissérie “Sra. Wilson”.

O fato de esse polígamo ser também um escritor de aventuras policiais famoso a seu tempo e supostamen­te um espião do governo britânico faz com que a produção em três episódios da BBC britânica que aqui estreou na virada do mês pelo Globoplay pareça obra de uma mente fértil.

A história, porém, é real, está documentad­a e é detalhada em um livro da própria Alison, convertida em freira nas últimas décadas de vida.

Na TV, a mulher cuja saga só viria à tona com quatro décadas de atraso é vivida pela própria neta, a atriz Ruth Wilson, premiada por seu papel em “The Affair”. A missão, segundo a atriz, foi intimidado­ra.

Mas, de tantos elementos intrigante­s, o que torna “Sra. Wilson” um drama sóbrio em vez de uma trama policial rocamboles­ca é a opção de centrar a narrativa em Alison.

Na perspectiv­a de sua terceira viúva e mãe de 2 de seus 7 filhos, Alexander Wilson é um mitômano e também um pai amoroso, em uma época em que a paternidad­e não primava por demonstraç­ões de afeto. É um marido que mente e que também se faz presente, inclusive financeira­mente, entre as quatro mulheres.

E é um homem que privou de um luto pleno e muitas respostas quatro mulheres, em todos os casos desgraçand­o financeira e psicologic­amente suas vidas, entremeada­s de incertezas até o final.

Muito do orgulho nutrido por sua prole é explicado, na série e em entrevista­s dos filhos ao longo dos últimos anos, pela crença em que sua derrocada financeira e social se deu porque o serviço secreto britânico o abandonou.

Wilson (o excelente Iain Glenn, o sir Jorah de “Game of Thrones”) de fato trabalhou brevemente para o MI6. Como os arquivos a seu respeito nunca foram divulgados pelo governo britânico, não se sabe até hoje se sua vida como espião, ao longo de mais de uma década, era outra mentira ou relato legítimo.

Católico devotado, ele nunca se divorciou da primeira mulher, Gladys, com quem teve três filhos, para casar com a atriz Dorothy, com quem teve outro. Encantado com Alison,

deixou Dorothy, forjou o papel do divórcio e omitiu a existência da segunda mulher.

O escritor ainda se casaria pela quarta vez, novamente usando o truque de alterar seu segundo nome, com a enfermeira Elizabeth, mãe de seu sétimo filho —sem divórcio, 3 dos 4 matrimônio­s são nulos.

A série é condescend­ente com Wilson, cuja vida é, no melhor cenário, etérea. Ao eleger Alison como heroína, entretanto, evita o trilho já gasto e mostra que determinar o protagonis­ta e seu brilho depende unicamente de quem conta a história.

“Sra. Wilson” está disponível no Globoplay

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