Folha de S.Paulo

Governo distorce dados ao acusar a diretora Petra Costa de espalhar fake news sobre situação do país

- Chico Marés e Nathália Afonso lupa@lupa.news

rio de janeiro Na última segunda (3), a Secretaria Especial de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a da República, a Secom, publicou em sua conta do Twitter um vídeo no qual acusa a diretora Petra Costa de espalhar fake news.

Indicada ao Oscar de melhor documentár­io pelo filme “Democracia em Vertigem”, Costa foi entrevista­da pelo programa Amanpour and Company, do canal de televisão americano PBS, no dia 31 de janeiro. A Secom classifico­u como falsas duas informaçõe­s verdadeira­s e uma parcialmen­te verdadeira citadas pela diretora –e, como “prova”, apresentou dados sem relação com os mencionado­s.

A Lupa procurou a Secom, mas, até a conclusão desta edição, não havia resposta.

Frase de Petra Costa no programa Amanpour and Company, no dia 31 de janeiro, que foi usada em vídeo da Secom em 3 de fevereiro:

“Desde que ele [Bolsonaro] foi eleito, a taxa de pessoas mortas por policiais no Rio [de Janeiro] cresceu 20%”

verdadeiro Os dados do Instituto de Segurança Pública, o ISP, mostram que o número de homicídios por intervençã­o de agentes do Estado aumentou 18% entre 2018 e 2019 no Rio de Janeiro. No ano passado, 1.810 pessoas foram mortas por policiais militares e civis no Rio. Em 2018, foram 1.534 ocorrência­s.

O número de mortes ocasionada­s pelas forças policiais do estado vem aumentando progressiv­amente desde 2013. Naquele ano, foram 416 homicídios. O maior aumento percentual se deu entre os anos de 2015 e 2016, quando as ocorrência­s cresceram 43%.

Na última segunda (3), a Secom classifico­u a informação como fake news. Contudo,

como os dados do ISP mostram, o percentual citado pela cineasta está correto.

Vídeo publicado pela Secom:

“Em 2019, o número de homicídios no país teve uma queda de 20%”

ainda é cedo para dizer Até o momento, não há dados consolidad­os sobre o número de homicídios no Brasil para todo o ano de 2019. Os números parciais contemplam o período de janeiro a setembro e mostram uma queda de cerca de 20% nesse indicador. Embora a redução esteja próxima à apontada pela Secom, não é correto afirmar que ela vale para todo o ano, já que as informaçõe­s não estão consolidad­as.

O Monitor da Violência, mantido pelo portal G1, indica que o número de assassinat­os no Brasil caiu 22% nos primeiros nove meses de 2019, comparado ao mesmo período de 2018. Já os dados do Sistema Nacional de Informaçõe­s de

Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram que houve uma queda de 21,6% comparando o período de janeiro a setembro de 2018 e 2019.

Esses dados não são os mesmos citados por Costa em sua entrevista. A cineasta menciona as mortes por intervençã­o de agentes do estado no Rio de Janeiro, enquanto a Secom se refere ao número de homicídios dolosos em todo o Brasil. A comparação é incorreta.

Frase de Petra Costa:

“O Rio tem mais pessoas mortas por policiais que os Estados Unidos inteiros”

verdadeiro O número de mortes por intervençã­o de agentes no Rio de Janeiro supera o total registrado nos Estados Unidos. Segundo o ISP, 1.810 pessoas foram assassinad­as pelas forças policiais fluminense­s em 2019. Já nos Estados Unidos, o número de pessoas mortas por policiais foi de 980, de acordo com levantamen­to do jornal The Washington Post.

Na última segunda-feira (3), a Secom classifico­u a informação citada pela cineasta como fake news. Contudo, Petra Costa usou um dado correto.

Vídeo publicado pela Secom:

“Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal reduziram o número de mortes em confronto em 2019”

insustentá­vel Não há dados públicos que sustentem essa afirmação. Nem a Polícia Federal, nem a Polícia Rodoviária Federal, nem o Sistema Nacional de Informaçõe­s de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas, o Sinesp, informam o número de policiais federais ou rodoviário­s federais mortos em confronto ou o de pessoas mortas por esses agentes.

Essa informação também não aparece em outros relatórios que são referência na área. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra estatístic­as sobre mortes de policiais militares e civis até 2018, mas não menciona mortes em confronto envolvendo policiais federais. O mesmo vale para o Monitor da Violência, do G1, com dados até setembro de 2019. Já o Atlas da Violência, do Ipea, com dados até 2017, não detalha número de mortes.

Frase de Petra Costa:

“[A Amazônia] Chegou a um ponto que pode virar uma savana a qualquer momento”

verdadeiro, mas O chamado riscodesav­anizaçãoda­Amazônia é apontado por várias pesquisas publicadas nos últimos 20 anos. No entanto, esse não é um processo que ocorre “a qualquer momento”, como diz a cineasta. Ele já começou nas áreas mais degradadas e, progressiv­amente, começa a afetar regiões mais preservada­s.

A savanizaçã­o consiste na transforma­ção de uma floresta equatorial úmida em um bioma similar ao cerrado.

A Secom classifico­u a informação como fake news e citou como motivo que “o compromiss­o do governo federal já foi reforçado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em discurso na ONU”. As declaraçõe­s do presidente não invalidam a ocorrência de um processo de savanizaçã­o do bioma.

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