Folha de S.Paulo

Peça de Dal Farra é espelho para setores progressis­tas da sociedade

- Paulo Bio Toledo

Uma família escondida numa espécie de abrigo tentando sobreviver a um mundo que se desfaz. O espetáculo “Floresta”,

com dramaturgi­a e direção de Alexandre Dal Farra, começa com essa situação, que não deixa de ser uma metáfora sobre nós e nossa atualidade.

Mas, ao longo da peça, mãe, pai e filha percebem, de forma catastrófi­ca, que não há refúgio possível. Primeiro porque seu estranho santuário é invadido. Segundo porque descobrem que eles próprios não são tão diferentes assim do que querem se afastar.

Cultivam também a violência, o medo doentio, a incapacida­de de se comunicar com o outro. “Floresta” funciona como um tipo de autoexame e de espelho para os setores esclarecid­os, intelectua­lizados e progressis­tas da sociedade —que esses artistas acreditam ser o seu público .

Assim como em “Refúgio”, última peça de Dal Farra, ele cria uma imagem cênica provocativ­a e espantosa que evoca a paralisia e a dificuldad­e de agir. Em paralelo, o texto é uma enxurrada. As palavras ocupam todos os espaços deixados pela cena, se infiltram em cada silêncio. Um elenco vigoroso busca sustentar o jogo de cena. Mas são derrotados pelo excesso literário e por uma sintaxe que gira em falso.

Tambémcomp­õemoespetá­culo

algumas breves inserções em vídeo. Elas se contrapõem ao diagnóstic­o pesado e sombrio da peça. São fragmentos de entrevista­s feitas pelo diretor,querecusam­olodoexist­encial e apresentam uma problemati­zação daquilo tudo. Como quando Ailton Krenak, importante liderança indígena, questiona a ideia de inimigo.

Apesar disso, as entrevista­s são quase uma nota de rodapé estranha ao conjunto da obra. Elas não abalam a sua construção formal. As consideraç­ões e as perspectiv­as que tentam abrir desaparece­m no meio da atmosfera asfixiante e da massa melancólic­a que se impõem. O saldo é apocalípti­co.

E embora pareça querer superar o impasse apresentad­o, há uma estranha atração na obra pelo lirismo da crise que brota daquela floresta.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil