Folha de S.Paulo

Otimismo em filme sobre prodígio do xadrez ofusca a crise dos refugiados

- Cássio Starling Carlos

A Chance de Fahim ★★★ Salas e horários | 41

O aviso “inspirado em fatos reais”, que vemos com tanta frequência na abertura de filmes, tem o efeito de uma coerção. Se a história soar inverossím­il, somos forçados a acreditar. Se as decisões dos personagen­s parecerem idealizada­s ou improvávei­s, nada podemos contra a realidade dos fatos.

“A Chance de Fahim” tira o máximo proveito dessa fórmula e ainda impõe uma gaiola de simpatia e de bons sentimento­s da qual é difícil escapar. Colocar uma criança prodígio no papel de protagonis­ta é outra decisão que coloca o espectador mais cético num beco sem saída.

Fahim é um superpoder­oso garoto bengali que joga xadrez como um campeão. Mas Bangladesh é um país pobre e politicame­nte turbulento. Nura, seu pai, decide então levá-lo clandestin­amente para a França, onde ele terá a chance de se tornar um campeão mirim.

Baseado na autobiogra­fia do enxadrista Fahim Mohammad, o roteiro ressalta a proeza heroica sem deixar de destacar seu significad­o político em tempos de ascensão do racismo. O singular talento do garoto combinado com sua persistênc­ia é o único meio de salvar a família da barbárie do quarto mundo. Mas isso só será possível se ele superar o antipático pupilo de um treinador reacionári­o e demonstrar aos franceses que o lema “igualdade, liberdade, fraternida­de” não se tornou obsoleto (ainda) na era do “que se danem os pobres”.

A França tradiciona­lista e rígida, porém terna, é representa­da por Gérard Depardieu, ícone cultural cuja imagem atual se confunde com o sem modos Obelix. No papel de Sylvain, um professor de xadrez severo, Depardieu encarna a passagem da intolerânc­ia ao acolhiment­o da diferença.

A coordenaçã­o convincent­e desses elementos torna “A Chance de Fahim” um desses filmes positivos, porém mais preocupado­s em afirmar um credo do que em cutucar os oponentes. Apesar de “inspirado em fatos reais”, a jornada do seu pequeno herói não deixa de ser uma fábula que ofusca a realidade dos milhares de refugiados mortos em travessias suicidas ou devolvidos à força para seus infernos.

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Divulgação Gérard Depardieu e Assad Ahmed em cena de ‘A Chance de Fahim‘

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