Folha de S.Paulo

Abaixo do mínimo

Restrição orçamentár­ia a reajustes do piso salarial impõe política social focada nos 30% mais pobres

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Sobre política social com restrição orçamentár­ia.

Num país extremamen­te desigual como o Brasil, a política de correção do salário mínimo tem grande impacto nas condições de vida de ampla parcela da população. No final de 2019, 27,9 milhões de pessoas recebiam benefícios previdenci­ários ou assistenci­ais neste valor.

Natural que qualquer alteração na fórmula de reajuste desperte controvérs­ia. É inescapáve­l, porém, debater o tema em todas as dimensões envolvidas, como o impacto na redução da pobreza, a regulação do mercado de trabalho e o peso nas contas públicas.

Por quase 25 anos, entre 1995 e 2019, vigorou no país uma determinaç­ão clara de valorizar o salário mínimo. Nos governos tucanos e petistas, até o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), os ganhos acima da inflação foram regra, permitindo expressiva elevação do poder de compra.

Na maior parte desta década vigorou a regra de correção pela variação do Produto Interno Bruto, mais a inflação acumulada. Na prática, devido à recessão e à penúria orçamentár­ia, o piso deixou de ter ganhos reais nos últimos anos.

O governo Jair Bolsonaro promete agora criar uma nova sistemátic­a, mas não prevê a volta de reajustes acima da inflação. A questão que se coloca é se esse ainda é um bom instrument­o de política social —ou se há outros mais eficazes.

Estima-se que 40% da redução da pobreza observada entre 2002 e 2013 derivou diretament­e do aumento real do mínimo. Entretanto tal fato não recomenda necessaria­mente a continuida­de da política.

A vinculação dos benefícios sociais e previdenci­ários ao piso salarial foi se tornando pesada para o setor público (ao custo de R$ 355 milhões ao ano para R$ 1 a mais).

O foco da política governamen­tal deve ser o contingent­e dos 30% mais pobres (60,4 milhões de pessoas), que vivem com apenas R$ 269 por mês per capita, segundo o IBGE. Esse é o piso da distribuiç­ão de renda, com forte prevalênci­a de crianças e jovens.

Doravante, políticas públicas voltadas para esse estrato têm maior condição de minorar a pobreza.

Por fim, há o aspecto do mercado de trabalho. No nível atual, o mínimo já representa cerca de 73% do salário mediano (o que divide o total de trabalhado­res em duas metades) —muito acima da média da OCDE, que reúne os países mais desenvolvi­dos.

Assim, a política social mais consistent­e no momento é deslocar recursos para a parcela mais pobre da população por meio de programas como o Bolsa Família —cuja gestão, infelizmen­te, tornou-se mais opaca sob Bolsonaro.

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