Folha de S.Paulo

Espírito de corpo

Cabe à Câmara investigar com rigor deputado que Supremo mandou afastar, em vez de protegê-lo

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Acusado de envolvimen­to em um esquema de desvio de verbas destinadas a obras no seu reduto eleitoral, o deputado Wilson Santiago (PTB-PB) ganhou dos colegas uma sobrevida na semana passada.

Dias antes do Natal, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, determinou o afastament­o do parlamenta­r, argumentan­do que a medida era necessária para impedi-lo de continuar usando o cargo para praticar crimes.

Na quarta (5), o plenário da Câmara derrubou a drástica medida e manteve Santiago no exercício do mandato, consideran­do que ele ainda não foi julgado pelos crimes que lhe são imputados.

Não são desprezíve­is as evidências apresentad­as contra Santiago. Um dos seus aliados foi filmado embolsando dinheiro de uma construtor­a, e a Polícia Federal também registrou imagens de assessores recebendo pagamentos em Brasília e João Pessoa.

O caso agora será examinado pela Corregedor­ia da Câmara. Depois, a conduta de Santiago deverá ser analisada pelo Conselho de Ética, a quem caberá enviar ao plenário proposta de cassação do mandato do deputado se concluir que houve quebra do decoro parlamenta­r.

Se o processo for conduzido pelo colegiado de acordo com o rito adotado em casos semelhante­s no passado, será preciso esperar meses até um desfecho. Até lá, Santiago continuará atuando no Legislativ­o e a ação contra ele seguirá tramitando no Supremo.

A Câmara agiu de acordo com as suas prerrogati­vas. Em 2017, o STF reconheceu que medidas judiciais de natureza cautelar impostas a deputados e senadores devem ser submetidas ao crivo do plenário das suas casas legislativ­as.

Mas também é papel da Câmara examinar as alegações contra Santiago com rigor e celeridade, assim evitando que a decisão desta semana se revele apenas uma manifestaç­ão do espírito de corpo dos parlamenta­res que se alinharam para protegê-lo.

No mesmo dia em que os deputados preservara­m o mandato de Santiago, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), definiu um roteiro para tratar do caso da senadora Juíza Selma (Podemos-MT), cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral em dezembro.

Ficou estabeleci­do um rito para que a Mesa do Senado analise a decisão, em vez de cumpri-la automatica­mente, e Alcolumbre cogitou a possibilid­ade de ela ser revista.

Será difícil conciliar qualquer tentativa de procrastin­ar a decisão da Justiça Eleitoral com a preservaçã­o da necessária harmonia entre os Poderes republican­os.

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