Folha de S.Paulo

Detalhe singelos

- Ruy Castro

rio de janeiro Não por dever, mas por prazer mesmo, vivo lendo biografias, perfis e memórias de escritores, artistas, atletas, diplomatas e de quem quer que tenha tido uma vida ativa e profícua, não importa a época ou a origem. E, quase sempre, vejo-me diante de revelações surpreende­ntes sobre os biografado­s. Aliás, são os menores detalhes que trazem essas surpresas.

Ernest Hemingway, famoso por livros sobre a África, como “As Neves do Kilimanjar­o”, e por viver se gabando de matar leões e elefantes em suas caçadas por lá, não era assim tão macho. Hemingway ia à África por agências de viagem, e os safáris de que participav­a eram preparados, tendo como alvos elefantes e leões velhos e doentes. E F. Scott Fitzgerald, em plenos “anos loucos”, traía certo provincian­ismo. Ao chegar para uma longa temporada em Paris, em 1924, hospedou-se no Ritz e, como nunca tinha visto um bidê, achou que era uma banheirinh­a para crianças. Pois foi no bidê do Ritz que Zelda, sua mulher, deu banho em Scottie, a filhinha do casal, pelos meses seguintes.

Guimarães Rosa, a poucas horas de sua posse na Academia Brasileira de Letras, em 1967, estava quase histérico de medo. Quem contou isso foi seu amigo, o romancista Geraldo França de Lima, chamado por ele ao seu apartament­o para ajudá-lo a vestir o fardão. E o compositor Sergio Ricardo é lembrado até hoje por ter quebrado seu violão e o atirado na plateia, em resposta às vaias que não o deixavam cantar, no Festival da Canção da Record, em 1967. Mas não seria por falta de instrument­o que ficaria sem trabalhar. Segundo ele próprio, ganhou “milhares de violões” de pessoas solidárias com seu gesto.

E muita gente tem coisas em comum. Orson Welles, Marlon Brando e Charles Mingus, por exemplo, eram loucos por sorvete. Já o poeta Dylan Thomas, Rock Hudson e Ronaldo Fenômeno, mesmo em marmanjos, ainda faziam, singelamen­te, xixi na cama.

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