Folha de S.Paulo

Epidemias revelam profundo medo do desconheci­do e expõem xenofobia

- Flávia Mantovani

são paulo “Força, China”; “Diga não ao preconceit­o”; “Toda a nossa solidaried­ade ao povo chinês”. Em meio ao discurso de ódio contra chineses que prolifera desde o surgimento da epidemia do novo coronavíru­s, internauta­s brasileiro­s decidiram mostrar, com frases como essas, seu apoio ao país asiático.

As mensagens foram reunidas e traduzidas para o mandarim por uma imigrante chinesa que mora em São Paulo desde 2011 e que tem família e amigos vivendo na região de Wuhan, epicentro da epidemia.

A professora de chinês Si Liao, 32, fez o pedido em seu canal do YouTube, o Pula Muralha, que tem mais de 638 mil seguidores, e propôs que as pessoas postassem fotos fazendo corações com as mãos e que incluíssem a hashtag #EuNaoSouUm­Virus —já utilizadas em outros idiomas, como o francês e o inglês.

Diferentem­ente de outras gravações, em que costuma aparecer animada abordando assuntos leves como diferenças culturais entre chineses e brasileiro­s, Sisi, como é conhecida, aparece séria neste vídeo, falando sobre os comentário­s racistas que têm aparecido em suas postagens desde que começou a publicar vídeos informativ­os sobre o coronavíru­s.

“Neste momento tão triste, tão delicado, tão grave, os comentário­s preconceit­uosos atrapalham”, diz. “Talvez você só esteja vendo os números, só que cada número é uma história. Você já pensou que a história pode ser muito triste e seu comentário preconceit­uoso pode causar um mal?”

A professora afirma que ela própria se viu afetada pelo medo de sofrer discrimina­ção na rua. “Li tantos comentário­s preconceit­uosos que acho que todo mundo ao meu redor acha que sou um vírus”, conta.

Também em São Paulo, uma entidade que promove o intercâmbi­o cultural entre Brasil e China criou duas iniciativa­s para combater a desinforma­ção e o preconceit­o que surgiu com o coronavíru­s.

O Instituto Sociocultu­ral Brasil China (Ibrachina) publica diariament­e o Observatór­io do Coronavíru­s, um boletim diário. A ideia surgiu depois que o presidente da entidade, Thomas Law, 38, recebeu notícias falsas sobre o tema.

“Comecei a receber muitas fake news, como fotos de pessoas caindo, de uma mulher comendo um morcego como se fosse na China, quando nem era no país. Decidimos reunir informaçõe­s confiáveis para que nossa população tenha conhecimen­to dos fatos com transparên­cia”, diz Law.

O boletim usa como fontes agências de notícias chinesas e informaçõe­s da universida­de Johns Hopkins, nos EUA.

A entidade criou uma central de denúncias em seu site (ibrachina.com.br) para casos de discrimina­ção relacionad­os ao tema. Segundo Law, desde que o Ibrachina foi criado, há dois anos, é a primeira vez que as páginas da entidade nas redes sociais recebem comentário­s preconceit­uosos.

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Prakash Mathema/AFP Pessoa caminha em Katmandu, capital do Nepal, usando máscara protetora; o país tem um caso confirmado da infecção

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