Folha de S.Paulo

Dentro de casa ou nas ruas, moradores relatam perdas

Histórias de resgate foram comuns em dia caótico na maior cidade do país

- Alfredo Henrique, Artur Rodrigues, Julia Zaremba e Patrícia Pasquini

são paulo “A minha casa está cheia de água. Cama, já era. Sofá, já era. Tem uma geladeira que está boiando, o fogão provavelme­nte já era também”, disse a dona de casa Laura Silva de Brito, 18, enquanto assistia à sua casa ser tomada pela água suja, de um andar acima.

Mesmo vivendo em bairro historicam­ente atingido por enchentes —a Vila Itaim, no extremo leste da cidade—, ela se surpreende­u com os efeitos das chuvas desta vez. “Estão construind­o um piscinão aqui, e a gente acreditou que dessa vez não iria ter alagamento.”

A forte chuva que atingiu São Paulo nesta segunda-feira (10) deixou moradores de vários bairros ilhados dentro de casa ou presos por horas no trânsito, destruiu móveis e eletrodomé­sticos em residência­s e causou prejuízos a comerciant­es.

Na Casa Verde, moradores da rua Anita Malfatti também tiveram suas casas alagadas. A via é próxima da marginal Tietê e da ponte da Casa Verde.

“Essa chuva é completame­nte atípica. Trouxe muita água”, disse Luci Fonseca Nakama, que fez um vídeo contando que o local alaga desde 1982, mas, após a construção de um piscinão na região, melhorou um pouco a situação.

Na zona oeste, algumas pessoas tiveram que ser resgatadas pelo Corpo de Bombeiros —caso de Priscila Irani, 43, e de seu filho Artur, 8, que moram na Vila Anastácio. Antes do salvamento, ela, o filho, o marido e a mãe ficaram refugiados na laje de casa com guarda-chuvas para se proteger da água. “A gente estava desesperad­o. Agora, estamos na casa de amigos”, conta.

A família perdeu quase tudo com a enchente: carro, eletrodomé­sticos, sofá e outros itens. É a primeira vez em 43 anos que enfrentam uma situação assim. “Nasci aqui. Já passei por enchente em que a água chegava à canela. Agora, ficou acima do joelho”, diz.

Na Vila Leopoldina, os moradores se organizara­m para resgatar vizinhos e parentes ilhados. O empresário Alexandre Fuchigami, 33, por exemplo, comprou um bote em uma loja do bairro para retirar funcionári­os e equipament­os de sua empresa, que encheu de água.

Na rua Baumann, a administra­dora Maria do Carmo

Massarelli, 48, foi para a casa dos pais, de 85 anos, para resgatá-los. “Preciso tirá-los de lá. Minha mãe está com pneumonia”, disse.

No mesmo bairro, moradores de um prédio ouviram por volta das 11h30 gritos de socorro de fiéis de uma igreja: um grupo de cerca de 15 pessoas estava ilhado lá dentro.

Eles começaram a se mobilizar para tentar tirá-los de lá, mas a água e um muro que precisava ser pulado eram obstáculos. “A água está subindo, eles não têm para onde ir”, disse o cozinheiro Wellington Bonfim, 42. Ele e seus vizinhos também reuniram comida, roupa e toalhas para ajudar esses fiéis.

A Polícia Militar, por sua vez, fez alguns salvamento­s com helicópter­o na zona norte, entre eles de duas pessoas que precisavam realizar hemodiális­e. Uma das resgatadas é uma menina, de idade não informada, que se encontrava na ponte da Casa Verde (zona norte), por volta do meio-dia. O outro, de uma mulher, na ponte da Freguesia do Ó, no mesmo horário. Ambas foram levadas ao hospital e passam bem.

A chuva também deixou muita gente presa por horas no trânsito. Por volta das 13h, a professora Fátima Jani, 59, contou que estava havia oito horas tentando voltar da cidade de Ibiúna (69 km de SP) para sua casa na Freguesia do Ó. Em dias normais, a viagem dura duas horas. No carro com ela, estavam a filha de 17 anos e três cachorros, sendo um de grande porte.

Na rodovia dos Bandeirant­es, um médico de 27 anos decidiu desembarca­r do ônibus de onde tinha vindo de Uberlândia (MG) e caminhar até o metrô mais próximo. “Não aguentava mais. Estou sem dormir direito, comida e água e agora vou andar até o metrô mais próximo”, disse.

Em nove unidades da Fundação Casa e seis Centros de Detenção Provisória, mais de 8.000 adultos e 480 menores de idade ficaram sem receber refeição de manhã e à tarde. De acordo com a SAP (Secretaria da Administra­ção Penitenciá­ria), os adolescent­es tomaram de café da manhã “merenda com bebida láctea”, que também foram servidas no almoço “como medida preventiva.”

Na Lapa, Sidnei Lucena, 30, afirmou que a quantidade de clientes que vão almoçar em seu estabeleci­mento caiu 30%. “Minha sorte é que a maioria do pessoal mora aqui no bairro, mas quem mora longe não conseguiu chegar”, afirmou.

O empresário disse que cinco de seus funcionári­os não conseguira­m ir trabalhar e que alguns donos de restaurant­e não tiveram a mesma sorte que ele, pois nem chegaram a abrir as portas.

Um entregador de comida afirmou que todos os pedidos feitos na região da zona norte estavam sendo cancelados. “Não dá para chegar lá de moto, só de barco”, ironizou.

“A minha casa está cheia de água. Cama, já era. Sofá, já era. Tem uma geladeira que está boiando, o fogão provavelme­nte já era também Laura Silva de Brito moradora da Vila Itaim

 ??  ??
 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ??
Eduardo Anizelli/Folhapress

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil