Com chuvas cada vez mais intensas, rios que viram ruas voltarão a ser rios
Era óbvio que uma tempestade da dimensão da que chegou no domingo (9) atingiria São Paulo, após os desastres em Minas, Rio e Espírito Santo. A emergência climática tem gerado chuvas recordes no sudeste brasileiro, e isso não é mais fenômeno excepcional.
Os efeitos do aquecimento global têm chegado mais rápido do que o esperado, e enfrentá-los exige tanto medidas de mitigação previstas no Acordo de Paris, que o Brasil se comprometeu a cumprir, como alterar nosso modelo de desenvolvimento urbano.
No caso de São Paulo, esse modelo se caracteriza por uma mancha urbana que cresceu sem respeitar o meio físico. O solo foi excessivamente impermeabilizado, e áreas verdes foram destruídas. A arborização foi negligenciada em meio a ruas estreitas e repletas de fiação aérea.
As várzeas do Tietê e do Pinheiros, que deveriam ter sido transformadas em parques após a retificação dos rios, foram ocupadas por uma urbanização selvagem. As Áreas de Proteção Permanente, faixas de 30 metros ao longo de córregos, que deveriam ser preservadas, viraram avenidas.
As principais avenidas da cidade estão sobre os córregos. Embora o equívoco dessa solução esteja diagnosticado há tempo, há dez anos o governador José Serra, com o apoio do prefeito Gilberto Kassab, criou mais três faixas na marginal do Tietê, retirando 1.500 árvores e áreas permeáveis.
Empreendimentos imobiliários impermeabilizam o subsolo e bombeiam águas subterrâneas para a superfície. Favelas junto aos córregos ou em encostas íngremes, que se tornam áreas de risco, são inevitáveis frente à especulação com terrenos ociosos e a falta de soluções habitacionais.
A ausência de política séria de resíduos sólidos e limpeza urbana gera acúmulo de lixo que entope as bocas de lobo.
Nessas condições, a drenagem é insuficiente para absorver os altos índices pluviométricos, algo agravado pela impermeabilização do solo e pela falta de arborização, que ampliam e aceleram a chegada da água nos fundos de vale, rios e córregos da cidade.
Construir mais piscinões, como está previsto e não tem sido realizado pelos governos municipais e estadual, é necessário. Mas, sem alterar o modelo urbanístico da cidade, as enchentes não só se repetirão como serão mais intensas.
O problema exige mudanças profundas, entre as quais:
1) Ampliar a permeabilidade do solo e do subsolo nos empreendimentos imobiliários, reforçando a cota ambiental;
2) Criar um programa de apoio à implantação de tanques de captação das águas pluviais nos lotes, para retardar a chegada da chuva no sistema de drenagem, mais sustentável do que os piscinões;
3) Conter a expansão horizontal da área urbanizada, fortalecendo a zona rural, já adotada em São Paulo e que precisa ser estendida a toda a região metropolitana;
4) Preservar as áreas verdes existentes, implantando os 168 parques previstos no
Plano Diretor e ampliando a arborização urbana;
5) Fazer uma campanha educativa e publicitária para reduzir a geração de resíduos sólidos e melhorar a limpeza das ruas, evitando acúmulo de lixo que reduza a vazão do sistema de drenagem e gere assoreamento de córregos;
6) Produzir moradias em massa para remanejar os moradores em áreas de risco e em fundo de vale, com subsídios para atender a baixa renda;
7) Criar um sistema de alerta em áreas de risco para situação emergenciais.
A tragédia deve servir de alerta para que a sociedade se conscientize de que a mudança climática afeta de forma dramática a vida dos cidadãos, que planejamento urbano é indispensável para enfrentar o problema das enchentes e que só medidas estruturais podem garantir resultados sustentáveis.