Folha de S.Paulo

Testemunha mente e ofende repórter da Folha em CPI

Hans Nascimento deu informaçõe­s falsas; Eduardo Bolsonaro difundiu ofensas e fez insinuaçõe­s

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Em depoimento à CPMI das Fake News, Hans Nascimento, ex-funcionári­o de uma agência de disparos em massa por WhatsApp, mentiu à comissão e insultou a repórter da Folha Patrícia Campos Mello. Ele disse que a jornalista se insinuou sexualment­e para obter informaçõe­s sobre fraudes no envio de mensagens de campanha. Eduardo Bolsonaro difundiu as ofensas.

brasília e são paulo Em depoimento prestado nesta terça (11) à CPMI das Fake News no Congresso, um ex-funcionári­o de uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp mentiu à comissão e insultou a repórter da Folha Patrícia Campos Mello.

Hans River do Rio Nascimento trabalhou para a Yacows, empresa especializ­ada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.

Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha, baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos de Hans, mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulent­o de nome e CPF de idosos parar egistrarch ips de celular e garantiro dispa rode lotes de mensagens em benefício de políticos.

A Folha falou diversas vezes com Hans, que também era autor da ação trabalhist­a. Nas primeiras conversas, a partir de 19 de novembro e gravadas, ele disse que não sabia quais campanhas se valeram da fraude, mas reafirmou o conteúdo dos autos e respondeu a perguntas.

No dia 25, ele mudou de ideia após fazer acordo coma antiga empregador­a, oque foi registrado no processo no dia 27. “Pensei melhor, estou pedindo pra você retirar tudo que falei até agora, não contem mais comigo ”, disse.Di asantes, a Folha havia contatado aYacows.

Hans foi convocado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) a depor na comissão. Nesta terça, ele mentiu à CPI e insultou Patrícia Campos Mello, uma das autoras da reportagem.

“Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, apessoa querer um determinad­o ti pode matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?”, disse Hans.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, usou a fala de Hans para difundir as ofensas contra a repórter no Congresso e em redes sociais.

“Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualment­e, como disse o senhor Hans, em troca de informaçõe­s par atentar prejudicar­a campanha do presidente JairBol sonar o.Ouseja,é oque a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder”, afirmou Eduardo.

O Código Penal estipula que fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial ou inquérito é crime (pena de dois a quatro anos de reclusão, além de multa). O regimento do Senado diz que a inquirição de testemunha­s em CPIs segue a legislação processual penal.

O presidente da CPMI, senador Angelo Coronel (PSD-BA), chamou de “ato de covardia” as declaraçõe­s de Hans. Arel atorada comissão, deputada Lídice da Mata( PS B- BA ), afirmou que “comprovand­o que houve mentira, nós podemos indicar o seu indiciamen­to, uma abertura de inquérito, porque mentira numa CPMI é crime”.

Em nota, a Folha rebateu os ataques aseu jornalismo.

“A Folha repudia as mentiras e os insultos direcionad­os à jornalista Patrícia Campos Mello na chamada CPMI das Fake News. O jornal está publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagen­s sobre o uso ilegal de disparos de redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefaçã­o, ainda, o Congresso Nacional servir de palco ao baixo nível e as insinuaçõe­s ultrajante­s do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).”

“A ilação de que a jornalista teria sugerido a troca de matéria por sexo causa danos a ela, não apenas porque se trataria de um desvio de natureza ética da profissão como também por atingir sua condição feminina”, disse Taís Gasparian, advogada da Folha. “Na medida em que provoca danos, cabe a reparação.”

Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo criticou Eduardo Bolso naro.“Éassustado­r que um agente público uses eu canal de comunicaçã­o para atacar jornalista­s cujas reportagen­s trazem informaçõe­s que o desagradam, sobretudo apelando ao machismo eà misoginia .”

Entenda as principais informaçõe­s falsas de Hans River.

Hans River do Rio Nascimento: “Só um detalhe. Eu não encaminhei nada para a Folha. Eu entrei com a ação trabalhist­a, e de alguma maneira a Folha de S.Paulo conseguiu o processo inteiro.”

mentira O processo é público e Hans encaminhou 1 para a repórter documentos, áudios e fotos sobre o processo de disparo de mensagens em massa na empresa em que trabalhou.

“Falei ‘pô, tô lançando um livro aí. Esse livro vai ser bacana’. De repente, essa jornalista entrou em contato comigo, falando a respeito do meu livro. Eu fiquei até assim, falei ‘bacana, vai me entrevista­r, vai querer saber sobre meu conteúdo, né.’ E ela vem até mim.” mentira A reportagem procurou Hans pela primeira vez 2 , por mensagem de WhatsApp, para falar sobre o processo trabalhist­a que ele movia contra a empresa Yacows.

“’Ah, mas eu quero ver seu notebook.’ Aí ela falou: ‘eu tô com todo o seu processo na minha mão’. Eu falei: mas como assim você está com todo o meu processo na sua mão e como você conseguiu meu telefone? E ela não informou. Até hoje eu não sei como ela pegou meu telefone e como ela teve acesso a todo o processo.” mentira O processo é público. A reportagem pediu para ver o notebook porque Hans afirmou ter muitas fotos e vídeos. Posteriorm­ente, ele enviou esses arquivos à reportagem.

“O mais estranho é falar que eu cheguei na Folha de S.Paulo e entreguei um conteúdo que eu entreguei para o fórum trabalhist­a, entendeu?” mentira Hans enviou à Folha dezenas de fotos, vídeos e uma planilha com nomes e CPFs usados pela Yacows para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

“Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, fui tratado de uma maneira assim, tipo: ‘mas ninguém te chamou aqui’. Mas eu falei: ‘estou procurando essa moça aqui’. E aí ela desceu, me recebeu e me levou para Redação. Houve uma discussão na Redação. Quando eu virei as costas e fui embora, no dia seguinte ela publicou tudo isso aí dizendo que eu cheguei na Folha de S.Paulo entregando a notícia para ela. E eu não entreguei nada para ela.” mentira Hans esteve na Redação no final de novembro de 2018 e enviou à reportagem dezenas de fotos 3 , vídeos, troca de mensagens e uma planilha. Ele mudou de ideia após fechar um acordo com a Yacows.

“Ela tava perguntand­o se eu tinha feito a campanha jurídica do Bolsonaro e do Doria. E eu ainda falei para ela: ‘olha, você me desculpa, mas isso aqui é uma questão de trabalho, que eu trabalhei em uma empresa e tudo mais, só que o propósito de sua vinda aqui foi a respeito do meu livro, não foi a respeito do que eu trabalhei e do que deixei de trabalhar. Então ela intercalav­a com essas perguntas. Então assim, eu não fiz campanha para os dois [Doria e Bolsonaro].” mentira Hans afirmou à época que não sabia quais campanhas teriam usado esse tipo de disparo. A reportagem em nenhum momento diz que esses dois candidatos fizeram disparos como esses.

“Porque a própria jornalista acabou com o meu nome inteiro. Colocou no jornal falando coisa que eu não tinha nem falado. (...) Falando que eu estava fazendo campanha do Bolsonaro e eu não tinha feito, do Doria e eu não tinha feito.” mentira A reportagem publicada não cita em nenhum momento que Hans trabalhou para esses dois candidatos.

“Ela [ jornalista] queria sair comigo e eu não dei interesse para ela. Ela parou na porta da minha casa e se insinuou para entrar na minha casa, com o propósito de pegar a matéria. Ela se insinuou para entrar, e eu ainda falei que não podia entrar na minha casa. Ela queria ver o meu computador, que inclusive eu trouxe para cá. Não está aqui, eu trouxe para o flat em que a gente está. E quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinad­o tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?” mentira A repórter nunca se insinuou para Hans. Desde o primeiro contato, ela afirmou que fazia uma reportagem sobre o processo trabalhist­a. Conforme mostra reprodução da conversa, parte dele o convite para assistirem a um show 4 . A repórter não responde e não vai ao show.

“Aconteceu a negociação do processo na segunda, terçafeira me apareceu a jornalista. Então foi feita a negociação num dia, no dia seguinte ela tava aparecendo.” mentira A reportagem entrou em contato com Hans pela primeira vez no dia 19 de novembro de 2018. A primeira entrevista ocorreu no dia 20. Após receber do ex-funcionári­o relatos e documentos, a Folha contatou a Yacows no dia 23 para pedir um posicionam­ento da empresa. No dia 25, Hans desiste de participar da reportagem 5 . No dia 27, o advogado dele entra com petição de acordo trabalhist­a com a Yacows.

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Reprodução Reproduçõe­s de tela de celular mostram trocas de mensagens entre o ex-funcionári­o da empresa de disparos Hans Nascimento e a repórter da Folha Patrícia Campos Mello
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Jane de Araújo/Agência Senado Hans Nascimento durante o depoimento à CPMI na tarde desta terça-feira

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