Folha de S.Paulo

Conta esta história direito

A vida e a morte de Adriano da Nóbrega tornaram-se histórias mal contadas

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a” dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Me

Três dias após a operação que matou o “Capitão Adriano”, as informaçõe­s divulgadas foram genéricas e insuficien­tes para entender o que houve. A morte dele só serviu para aumentar as trevas que protegem essa banda das milícias do Rio.

Ganha um fim de semana em Rio das Pedras quem conseguir montar um cenário plausível para a seguinte situação:

Setenta policiais participam de uma operação para a captura do “Capitão Adriano”, foragido desde o ano passado. Suspeitand­o que ele se escondeu na chácara do vereador Gilsinho de Dedé (PSL), alguns deles formam um triângulo e cercam a casa. Tratava-se de uma área rural, sem vizinhos.

Segundo a versão da polícia baiana, ratificada pelo governador Wilson Witzel (Harvard Fake ‘15), “chegamos ao local do crime para prender mas, infelizmen­te, o bandido (Medalha Tiradentes ‘05) que ali estava não quis se entregar, trocou tiros com a polícia e infelizmen­te faleceu”.

Conta outra, doutor. Ou, pelo menos, conta essa direito. Adriano da Nóbrega estava cercado. O bordão “trocou tiros” é um recurso gasto. Antes da chegada da polícia, o miliciano já fugira da casa onde estava com a família, na Costa do Sauípe, e do esconderij­o onde se abrigara, numa fazenda próxima à chácara. Os policiais podiam ficar a quilômetro­s da casa e o bandido poderia atirar o quanto quisesse, mas continuari­a cercado. Se a intenção fosse capturá-lo vivo, isso seria apenas uma questão de tempo. Três dias depois da operação, as informaçõe­s divulgadas pelas polícias foram genéricas e insuficien­tes para entender o que aconteceu.

Na melhor da hipóteses, os policiais foram incompeten­tes. Na pior, prevaleceu o protocolo de silêncio seguido pelo exPM Fabrício Queiroz, chevalier servant da família Bolsonaro e administra­dor da “rachadinha” de seus gabinetes parlamenta­res, onde estiveram aninhadas a mãe e a mulher de Adriano. O silêncio de Queiroz é voluntário, o do miliciano foi inevitável. Fica no ar um trecho da fala triunfalis­ta de Witzel, no qual ele disse que a operação “obteve o resultado que se esperava”.

Quando a polícia estava no rastro de Adriano, o ministro Sergio Moro vangloriou-se de ter organizado uma lista dos criminosos mais procurados. Nela estavam 27 bandidos, mas faltava o “Capitão Adriano”. No melhor burocratês, o ministério explicou: “As acusações contra ele não possuem caráter interestad­ual, requisito essencial para figurar no banco de criminosos de caráter nacional”. Conta outra, doutor. Dois dos listados eram milicianos municipais do Rio de Janeiro. Ademais, a interestad­ualidade de Adriano foi comprovada na cena de sua morte, com policiais baianos e fluminense­s.

O secretário de Segurança do governo petista da Bahia prometeu transparên­cia na investigaç­ão da morte do miliciano. Seria uma pena se a cena do tiroteio tiver sido alterada. Numa troca de tiros deveriam existir cápsulas da arma de Adriano. Seria razoável supor que a polícia disparou mais tiros, além dos dois que atingiram o bandido. A cena poderia ter sido filmada, mas isso seria pedir demais, mesmo sabendo-se que se tratava de uma operação de relevância nacional. A captura de Adriano lustraria a polícia e jogaria luz sobre suas conexões. A morte do ex-capitão serviu apenas para aumentar as trevas que protegem essa banda das milícias do Rio.

Faz tempo, uma patrulha do Exército perseguiu outro ex-militar foragido pelo interior da Bahia. Chamava-se Carlos Lamarca. Apesar de ter teatraliza­do a cena de sua morte, o oficial que comandava a patrulha não falou em troca de tiros. Narrou uma execução.

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