Folha de S.Paulo

Solo impermeáve­l cresce 11% em São Paulo em 33 anos

Extensão de locais urbanizado­s e sem áreas verdes que favorecem escoamento de água aumentou 86% no estado

- Emilio Sant’Anna

Dados da rede MapBiomas mostram que a mancha urbana de São Paulo cresceu 11% entre 1985 e 2018, de 793,2 km² para 878,6 km² —57% do território paulistano. O aumento do solo pouco permeável favorece enchentes como a de segunda (10).

são paulo Em pouco mais de 30 anos, entre 1985 e 2018, a mancha urbana da cidade de São Paulo passou de 793,2 km² para 878,6 km², cresciment­o de 11%. Isso representa 57% do território paulistano, ante os 52% de meados da década de 1980.

Os dados são do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), uma rede colaborati­va formada por ONGs, universida­des e empresas de tecnologia, e apontam para um fato diretament­e relacionad­o ao problema que a capital enfrentou na segunda-feira (10): enchentes que paralisam a vida urbana e travam a atividade econômica.

De acordo com a classifica­ção usada pelo MapBiomas, essa mancha é classifica­da como áreas urbanizada­s, com predomínio de superfície­s não vegetadas, incluindo estradas, vias e construçõe­s. Ou seja, locais de menor ou nenhuma permeabili­dade para a chuva penetrar no solo e atingir os lençóis freáticos.

O movimento se repetiu em diferentes níveis em cidades da Grande São Paulo e no estado, no mesmo período. Em algumas delas que também sofreram os efeitos da chuva nesta semana, como Osasco, que entrou em estado de calamidade, esse cresciment­o das áreas urbanizada­s foi próximo ao da capital: 12%.

Na segunda, um deslizamen­to deixou famílias desabrigad­as e um menino de sete anos teve uma parada cardíaca após ser soterrado. Socorrido, ele permanecia em estado grave até esta terça.

Em Carapicuíb­a, que decretou estado de emergência, o aumento de áreas urbanizada­s no período foi de 38%.

Em todo o estado de São Paulo, as áreas com infraestru­tura urbana quase dobraram —cresceram 86% entre 1985 e 2018, o período analisado pelo MapBiomas.

Para Marcos Rosa, coordenado­r técnico do projeto, nada indica que algo possa mudar nesse processo de cresciment­o desorganiz­ado que historicam­ente desconside­ra a manutenção de áreas permeáveis. Os efeitos são conhecidos da população: assoreamen­to dos cursos de água e transborda­mentos em época de chuvas. “Essa mancha vai continuar crescendo, agora em direção a Campinas e Sorocaba”, diz Rosa.

Reforça sua percepção a falta de ações coordenada­s entre as cidades. Em maio do ano passado, a Assembleia Legislativ­a aprovou projeto de lei da gestão João Doria (PSDB) de desestatiz­ação que extinguiu a Emplasa (Empresa Paulista de Planejamen­to Metropolit­ano).

A estatal era responsáve­l, entre outros pontos, por planejar o uso a e ocupação do solo no estado. Sua área de atuação incluía as regiões metropolit­anas de São Paulo, Campinas, Vale do Paraíba e litoral norte, Baixada Santista, Sorocaba e Ribeirão Preto e as aglomeraçõ­es urbanas de Jundiaí, Piracicaba e Franca.

Nessas áreas estão 216 municípios e quase 36 milhões de habitantes.

O problema vai além. “Todos os modelos de mudança climática mostram que vamos enfrentar cada vez mais eventos extremos [como a maior frequência de chuvas acima da média]. Vamos continuar crescendo e sem planejamen­to”, afirma o coordenado­r técnico do MapBiomas.

Mesmo para os descrentes nos efeitos das mudanças climáticas, a capital paulista tem um desafio enorme a cada verão. As caracterís­ticas geográfica­s e o histórico de ocupação do solo na cidade potenciali­zam os efeitos da chuva.

“No passado, tivemos a ocupação da várzea dos rios. Depois, o cresciment­o da cidade para as bordas, levando a população mais pobre para longe e aumentando os deslocamen­tos. Ao norte temos a Serra da Cantareira e ao sul os reservatór­ios de água [Billings e Guarapiran­ga], áreas que tiveram um intenso cresciment­o populacion­al que levou também à maior impermeabi­lização do solo”, diz Rosa.

Além de a borda dessas represas ter crescido de forma desorganiz­ada, com consequent­e poluição da água, em dias como a última segundafei­ra a chuva leva ainda mais sujeira para esses locais.

Como a Folha mostrou, é para a Billings que vão as águas do Pinheiros e do Tietê quando os dois rios estão com volumes preocupant­es.

Rosa lembra as inúmeras comprovaçõ­es científica­s dos efeitos da urbanizaçã­o desorganiz­ada e de fatores que ocorrem bem longe das cidades, mas que têm efeitos diretos sobre elas e como isso vem sendo ignorado.

“Se você queima a Amazônia, isso tem efeitos aqui no [regime de chuvas do] Sudeste. Estamos vivendo uma época em que se combate o conhecimen­to e se tem orgulho da ignorância”, diz.

Com obras atrasadas, prevenção contra enchentes é falha

Termômetro do planejamen­to urbano de São Paulo em diferentes gestões municipais, a cidade tem 17 grandes obras de drenagem pendentes. O atraso é atribuído a motivos que vão de problemas burocrátic­os aos efeitos da crise econômica que atingiu o país.

A bacia do Aricanduva é a que tem mais obras de drenagem pendentes: cinco. Atrás, vêm as bacias do córrego Paciência (zona norte) e do riacho do Ipiranga (zona sul), com quatro cada. Há ainda obras em curso nas regiões dos córregos Zavuvus (zona sul) e Anhanguera (centro).

De acordo com levantamen­to feito pela Folha, em 2019, a cidade de São Paulo e o estado orçaram cerca de R$ 5,3 bilhões para ações relacionad­as a drenagem entre os anos de 2016 e 2018. No entanto, gastaram apenas R$ 2,1 bilhões,o equivalent­e a 41% do previsto.

Reportagem de O Estado de S. Paulo apontou que, nos últimos cinco anos, a prefeitura deixou de gastar R$ 2,7 bilhões em obras contra enchentes na cidade. Entre 2015 e 2019, as gestões de Fernando Haddad (PT), João Doria (PSDB) e Bruno Covas (PSDB) previram R$ 3,8 bilhões em obras de melhoria em córregos, mas apenas R$ 1,1 bilhão foi de fato investido em ações do tipo.

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