Folha de S.Paulo

Que agenda queremos para construir nossas políticas?

Instituiçõ­es falhas reduzem desejo de cooperação

- Maria Alice Setubal Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)

Anualmente, o Fórum de Davos impacta o direcionam­ento das políticas e estratégia­s econômicas e sociais para o mundo. Em 2020, Klaus Schwab, criador do encontro, lançou um novo manifesto que redirecion­a o papel das empresas na criação de valores sustentáve­is e no engajament­o entre todos seus “stakeholde­rs”: funcionári­os, clientes, fornecedor­es, comunidade local e a sociedade mais ampla. Schwab explicita que a performanc­e das empresas deve ser medida não apenas pelos dividendos aos seus acionistas, mas também pela forma como os negócios alcançam seus objetivos ambientais, sociais e de boa governança.

O debate ambiental teve papel de destaque em Davos, e, mesmo antes dele, Larry Fink, presidente do BlackRock, maior fundo de gerenciame­nto de dinheiro do mundo, já havia anunciado que não investiria em empresas que apresentem riscos ambientais e que não façam progressos na sustentabi­lidade. Finalmente, o tema das desigualda­des voltou a aparecer de forma relevante nos debates, com o lançamento dos relatórios da Oxfam e da OIT.

O alinhament­o entre fatores econômicos e a importânci­a do investimen­to em pessoas também são ponto de destaque e apontam, como mostram outros estudos e pesquisas, para um movimento global na direção do bem-estar, em que fatores como emprego e renda devem estar articulado­s com um trabalho equilibrad­o, com saúde, educação, engajament­o cívico, coesão social, meio ambiente, segurança pessoal e bem-estar subjetivo.

Desigualda­des econômicas estão diretament­e relacionad­as com desigualda­des de oportunida­des —no caso brasileiro, com a falta de acesso à educação e à saúde de qualidade, a falta de segurança e o uso de violência policial atingindo prioritari­amente jovens pobres e negros e, ainda, com o fato de a população mais vulnerável ser mais diretament­e atingida por desastres ambientais.

A superação desse quadro para levar o Brasil a um bom nível de desenvolvi­mento não está apenas no estabeleci­mento de uma política econômica isolada dos demais setores e desarticul­ada das questões sociais e ambientais. Também não está no âmbito de indivíduos esforçados, batalhador­es, como são muitas vezes denominado­s aqueles que conseguem romper o ciclo da pobreza. Precisamos de uma sociedade civil coesa, com cidadãos participat­ivos e políticas públicas que priorizem um olhar para o bem comum, com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e sustentáve­l.

Para isso, existe um fator determinan­te: a confiança. O Brasil apresenta um baixíssimo nível de confiança nas instituiçõ­es e, como aponta a literatura das ciências sociais, quando as instituiçõ­es são percebidas como disfuncion­ais e as regras do jogo como injustas, o desejo de cooperação é mais baixo, dificultan­do a criação de políticas voltadas para o coletivo ou o bem comum.

A confiança não é um valor ou qualidade apenas para ONGs ou relacionam­entos interpesso­ais, é também fundamenta­l no mercado, nas transações financeira­s e judiciais. Está relacionad­a com o bem-estar subjetivo, com a relação com o outro afetando a saúde e a sensação de felicidade, assim como nas inúmeras regras informais que organizam nosso dia a dia. Porém, quando vai contra o senso de justiça percebido pelas pessoas, a confiança é minada. Vale destacar que os países com maior nível de confiança nas pessoas e nas instituiçõ­es são aqueles com menores níveis de desigualda­de.

A mensagem otimista é que há inúmeras organizaçõ­es da sociedade civil criando soluções e inovações, e diferentes políticas públicas sendo desenvolvi­das no nível subnaciona­l que estão buscando caminhos. Nosso papel é criar diálogos cada vez mais abrangente­s que viabilizem uma agenda de políticas progressis­tas e tenham como foco o bemestar das pessoas e a justiça social.

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