Folha de S.Paulo

O ensino de hoje para a medicina do amanhã

Princípios éticos nortearão interesses dos pacientes

- Silvano Raia, Robson Capasso e Nuno Sousa Professor emérito da USP Professor da Faculdade de Medicina de Stanford (EUA) Presidente da Faculdade de Medicina do Minho (Portugal)

O momento atual se caracteriz­a pela enorme produção de conhecimen­tos em todos os campos da biociência. Por outro lado, a medicina é um exercício de serviço. Serviço hoje, serviço amanhã.

Dessa forma, se servir hoje já é difícil, servir no futuro representa uma tarefa ainda mais complexa. Exige uma preparação adequada que antecipe as necessidad­es do futuro.

Atualmente, para a construção de um aluno preparado para enfrentar esse desafio, a comunidade científica que se interessa por educação médica tem sugerido acrescenta­r ao ensino das competênci­as clínicas “clássicas”, ainda que em permanente mutação, outras “novas” necessária­s para acompanhar o progresso geométrico das últimas décadas.

No primeiro grupo valorizam-se conhecimen­tos sólidos sobre os mecanismos das várias patologias associados à capacidade de usar os métodos diagnóstic­os mais recentes.

No segundo, contam-se competênci­as em áreas de interação de conhecimen­to, como inteligênc­ia artificial, medicina digital, “data science”, robótica e gestão na saúde, bem como competênci­as de liderança e trabalho em equipe.

Escolas de medicina de vanguarda, como nas Universida­des do Minho (Portugal) e de Stanford (EUA), enfrentam esse desafio de forma inovadora: concretiza­r a ambição de cada aluno através de um modelo educaciona­l transforma­tivo de referência, com um programa de ensino aberto à investigaç­ão e à inovação capaz de antecipar o futuro da saúde. Tem por base quatro pilares: ciências biomédicas, ciências clínicas, ciências dos sistemas de saúde e humanidade­s em medicina.

Esses pilares convergem em ciclos de formação obrigatóri­os onde as competênci­as dos diferentes saberes (cognitivo, saber fazer e saber estar) são trabalhado­s por metodologi­as ativas (ensino baseado em casos e laboratóri­os ativos) que promovem o contato precoce com a clínica e com o raciocínio clínico que são consolidad­os por uma avaliação.

Esses ciclos são agregados para a construção de um perfil próprio para cada estudante, e pela liberdade de escolha de opções. Com isso se oferece uma oportunida­de única de adquirir um conjunto de competênci­as complement­ares, mas críticas, para o seu desenvolvi­mento profission­al de tal forma a adequá-lo ao perfil que deseja adotar no futuro.

No Brasil, devemos considerar algumas variáveis específica­s: sua diversidad­e social faz com que a população menos favorecida dependa da chamada assistênci­a básica. Ela dever basear-se em conhecimen­tos já sedimentad­os, ao mesmo tempo que permita oferecer aos pacientes os benefícios da tecnologia moderna.

Essa aproximaçã­o cria muitos problemas, cuja solução individual é impossível de ser ensinada em um curso de graduação. O que se faz, então, é ensinar aos alunos o raciocínio ativo. Ao invés de lhes oferecer apenas soluções já prontas, propõese ensiná-los a como criá-las. Assim, estarão preparados para solucionar as dificuldad­es que aparecerem ao longo do seu percurso profission­al, muitas delas imprevisív­eis.

Devemos enfatizar, entretanto, que essa tendência criativa deve ser balizada, como nunca até hoje, por princípios éticos que defendam os reais interesses do paciente e da sociedade. As perspectiv­as que a engenharia genética oferece atualmente fazem com que esses cuidados se tornem particular­mente necessário­s.

Percebe-se assim que devemos antecipar em 2020 as necessidad­es do sistema de saúde em 2050. Estaremos confirmand­o a citação de Lincoln: “A melhor forma de prever o futuro é cria-lo”.

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