Centro-americanos dizem ir aos EUA devido à violência
Levantamento da ONG Médicos Sem Fronteiras entrevistou 480 pessoas
A violência é declarada como o principal motor da imigração de centro-americanos para os Estados Unidos, segundo relatório da ONG Médicos Sem Fronteiras divulgado nesta terça-feira (11).
Segundo o estudo, 48,5% dos 480 entrevistados em albergues no México e em El Salvador nos últimos dois anos citaram ao menos um evento relacionado à exposição a situações de violência como razão determinante para decidir imigrar. Além disso, 42,5% dos imigrantes já relataram a morte violenta de um familiar.
A maioria dos entrevistados são homens, mas foram ouvidas 37 mulheres e 9 transgêneros. Quase totalidade dos depoimentos (97,9%) é de cidadãos dos três países da América Central que mais enviam migrantes aos EUA. Juntos, El Salvador, Guatemala e Honduras representaram 71% das apreensões na fronteira sul dos EUA de outubro de 2018 a setembro de 2019.
Foram mais de 607 mil pessoas apreendidas pela polícia americana que vigia a fronteira com o México, a maioria deles guatemaltecos, segundo dados divulgados pela agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA.
O relatório aponta que os centro-americanos abandonam seus países devido a uma mistura de pobreza com violência —surras com bastões e tacos, agressões sexuais, tortura e assassinatos—, aliada à falta de serviços públicos.
“Existe um deslocamento interno antes de irem aos EUA, talvez eles migrem para cidades consideradas menos violentas dentro de seus países”, diz a demógrafa Nuni Jorgensen, coordenadora da equipe de estudantes da Universidade Autônoma do México que entrevistou migrantes em albergues na fronteira do México com a Guatemala.
A violência, afirma a pesquisadora, é decorrente do crime organizado e das “maras”, espécies de milícias locais.
Originadas em El Salvador, mas com ramificações em outros países da América Central e no México, as gangues controlam áreas em que se valem de extorsões, violência sexual e ameaças de morte para consolidar seu domínio. Jovens dizem ser recrutados de maneira forçada para as fileiras das facções criminosas.
Se as condições nos países de origem são ruins, o percurso via México até os EUA também apresenta problemas graves. O sequestro é um dos crimes mais comuns, seja no trajeto ou enquanto o migrante espera do lado mexicano da fronteira para pedir asilo.
Entre as pessoas ouvidas pelo MSF em outubro na cidade mexicana de Nova Laredo, na divisa com o Texas, 75% disseram ter sido sequestradas.
Segundo a pesquisadora, o crime organizado mexicano criou uma “indústria da migração”, pois sabe que boa parte de quem migra já tem parentes do outro lado da fronteira.
Os grupos capturam as pessoas e roubam seus celulares, procurando contatos de familiares que moram nos EUA para exigir dinheiro pelo resgate. O valor pode chegar a US$ 5.000 (R$ 21,5 mil), segundo relato de um hondurenho entrevistado em Nova Laredo.
Já a violência sexual atinge 1 em cada 5 mulheres, geralmente no começo da travessia: 12,8% relatam terem sido forçadas a manterem relações sexuais, e 10% contaram ter sido obrigadas a fazer sexo em troca de algo. Algumas das mulheres pedem a membros do MSF anticoncepcionais neste ponto da jornada, por medo de ficarem grávidas devido às agressões.
O estudo descreve a situação como um “colapso” do sistema regional de proteção a migrantes e a solicitantes de asilo. “As políticas dos EUA tiveram o efeito perverso de piorar a crise humanitária na região, e não há resposta humanitária internacional coordenada para ajudar uma população vulnerável e obrigada a fugir.”
A administração de Donald Trump tem sido criticada por ONGs por impor medidas muito restritivas aos que querem buscar asilo no país, a exemplo do MPP, o Protocolo de Proteção ao Migrante.
Assinado com o governo de Andrés Manuel López Obrador há pouco mais de um ano para conter os fluxos migratórios, o programa estipula que os solicitantes de asilo devem esperar a tramitação de seus pedidos na justiça americana no México. Brasileiros foram incluídos recentemente.
Mais de 55 mil pessoas já foram enviadas dos EUA para o México sob o programa, muitas das quais para o estado de Tamaulipas, considerado pelo governo americano tão perigoso quanto países em guerra como Síria e Afeganistão.
A pesquisadora critica a limitação dos locais onde se pode pedir asilo, pois a convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados, da qual os EUA são signatários, permite que o visto seja solicitado em solo americano.
“Isso tudo sob o nome de Protocolo de Proteção ao Migrante, que de proteção não tem nada, só de preocupante, do nosso ponto de vista.”