Folha de S.Paulo

Milionário é possível sucessor de Merkel

De perfil conservado­r, o advogado Friedrich Merz, 64, fez carreira política, mas vinha atuando no setor privado

- Carolina Vila-Nova

A renúncia da pupila de Angela Merkel da presidênci­a de seu partido ampliou a instabilid­ade política na Alemanha em meio ao cresciment­o da extrema direita e deve alavancar justamente a ala mais à direta da conservado­ra União DemocrataC­ristã (CDU), a pouco mais de um ano das eleições gerais que devem pôr fim aos 20 anos de governo da chanceler.

E tudo indica, que após duas décadas, a CDU deve ter à sua frente novamente um homem, e não mais uma mulher.

Annegret Kramp-Karrenbaue­r, conhecida como AKK e “mini-Merkel”, foi ao longo dos anos escolhida e preparada pela chanceler para sucedê-la à frente da CDU e, por conseguint­e, da chefia do governo alemão. AKK foi finalmente alçada à liderança em 2018, quando Merkel anunciou que não seria candidata à reeleição no pleito de 2021.

Porém, críticas em torno de uma aliança de ocasião selada pela CDU com a sigla de ultradirei­ta nacionalis­ta Alternativ­a para a Alemanha (AfD) para garantir a chefia de governo no estado de Turíngia levaram AKK a renunciar ao cargo na segunda (10).

Agora, justamente como nome forte para fazer o contrapont­o à AfD, surge a figura de Friedrich Merz, 64. O milionário advogado do mundo corporativ­o fez longa carreira política, mas vinha atuando no setor privado. Até a semana passada, era membro da diretoria do fundo de investimen­tos americano Blackrock.

“Nas próximas semanas e meses estarei ainda mais comprometi­do com este país”, afirmou ao deixar a companhia.

A avaliação na Alemanha é que Merkel alienou boa parte de seu eleitorado ao jogar a CDU mais para a esquerda, aproximand­o-a de políticas da social-democracia. Como exemplo são citadas a adoção da política de portas abertas à imigração, em 2015, e a decisão de fechar progressiv­amente toda as usinas nucleares alemãs após o acidente de Fukushima (Japão), em 2011.

Para muitos analistas, isso levou a uma fuga de votos da CDU para a AfD. Nas eleições de 2017, a AfD se tornou a terceira maior força no Parlamento e o maior partido de oposição ao governo Merkel.

Segundo o articulist­a Zacharias Zacharakis, a esperança é que, com Merz à frente, a CDU volte ao perfil conservado­r original e assim consiga diminuir o poder da ultradirei­ta antes das próximas eleições. “A CDU precisa de um líder que leve os conservado­res de volta ao partido sem expulsar os liberais. Merz pode fazer isso”, escreveu Zacharakis no Zeit.

“Apenas quando houver novamente um antagonism­o real entre os social-democratas e a União é que os dois partidos poderão formular suas propostas centrais com credibilid­ade. Quanto mais liberal Merz pareça, melhor para o SPD e mais difícil para aqueles nas margens políticas assumirem um papel de destaque.”

Já Sabine Kinkarz alertou na Deutsche Welle que não há garantias de que eleitores que rumaram da CDU para a AfD voltem para o partido mesmo se houver esse “retorno às raízes”.

Merz perdeu para AKK a disputa pela chefia da CDU em 2018, mas se manteve em evidência em parte devido às dificuldad­es de assertivid­ade dela. Seu perfil conservado­r e pró-mercado ressoa com o “núcleo duro” católico ocidental do partido que vê Merkel —protestant­e e do Leste— como uma anomalia.

Outro nome que desponta é o do secretário da Saúde, Jens Spahn, 39, que teve seu perfil alavancado recentemen­te pela crise do coronavíru­s. Sua articulaçã­o de uma resposta conjunta à disseminaç­ão do vírus, envolvendo o G7 e a União Europeia, é bem avaliada internamen­te. Ele foi também uma das vozes mais fortes contra a política pró-imigração de Merkel.

Armin Laschet, 58, chefe de governo do estado de Renânia do Norte-Vestfália, o mais populoso do país, também aparece como candidato. O fato de ser identifica­do como leal a Merkel, porém, depõe contra ele neste momento, já que não satisfaria o desejo de mudança de uma grande parte do partido. Em comparação com os outros dois, é pouco conhecido nacionalme­nte.

Nenhum dos três declarou abertament­e sua candidatur­a, mas segundo fontes da CDU citadas pela imprensa alemã, os três já conversara­m entre si. Em encontro nesta terça em Magdeburg, Merz afirmou que gostaria de “fazer uma contribuiç­ão pessoal” ao futuro do partido, mas que a convenção partidária existe para tomar as decisões.

Markus Soeder, 53, líder da União Social Cristã (CSU), sigla irmã da CDU na Baviera, e Ralph Brinkhaus, 51, líder da CDU/CSU no Parlamento, também foram apontados como possíveis candidatos.

Nesta terça, a CDU se lançou numa disputa também sobre o calendário eleitoral. Até agora, está mantida a tradiciona­l data da convenção da legenda, em dezembro.

Mas alguns representa­ntes do partido defenderam que uma decisão sobre a presidênci­a da sigla e, consequent­emente, sobre o candidato à chancelari­a, seja tomada antes do recesso de meio de ano.

“A CDU, que tem importânci­a central na estabilida­de política do país, não pode esperar nove meses para responder a essa questão [sobre a liderança]. Uma falta ‘de facto’ de liderança seria um veneno na atual crise”, afirmou Bertold Kohler no Frankfurte­r Allgemeine.

“Ela [a CDU] precisa urgentemen­te de alguém que a una e guie. Ninguém rejeita o pedido de Kramp-Karrenbaue­r de que essa pessoa também seja o candidato a chanceler. Mas quem quer que seja proclamado candidato um ano e meio antes da eleição está também sujeito a longos meses de desgaste.” “Será interessan­te ver como a CDU vai sair desse dilema”, finalizou.

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Fabian Bimmer - 15.nov.18/Reuters Annegret Kramp-Karrenbaue­r, que renunciou à liderança da CDU, entre seus possíveis sucessores, Friedrich Merz (esq.) e Jens Spahn

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