Folha de S.Paulo

Governo chega a acordo para retomar controle de R$ 11 bi do Orçamento

Pelo menos R$ 15 bilhões em emendas parlamenta­res, no entanto, passam a ser de execução obrigatóri­a, uma vitória do Legislativ­o

- Daniel Carvalho, Thiago Resende, Angela Boldrini, Talita Fernandes, Ricardo Della Coletta e Eduardo Cucolo

brasília e são paulo Governo e líderes do Congresso fecharam acordo que vai tirar do Executivo o controle sobre cerca de R$ 20 bilhões do Orçamento deste ano. A negociação teve como objetivo evitar que os parlamenta­res ficassem responsáve­is pela alocação de um valor maior, que chegaria a R$ 31 bilhões.

Quase metade desse montante é de gastos básicos dos ministério­s. A outra metade são investimen­tos.

Em dezembro do ano passado, o Congresso aprovou uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentár­ias para garantir que o governo fosse obrigado a executar as emendas de autoria do relator-geral do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), no valor de R$ 30,1 bilhões. Também seria obrigatóri­o o empenho de R$ 687 milhões em emendas de comissões temáticas da Câmara e do Senado.

Essa alteração na lei foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas o Congresso Nacional marcou para esta quarta-feira (12) uma sessão com objetivo de derrubar o veto da Presidênci­a.

Diante da certeza de que seria derrotado, o Palácio do Planalto montou uma operação envolvendo o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Após as negociaçõe­s, os presidente­s do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), confirmara­m o acordo.

Ficou acertado que ao menos R$ 11 bilhões de custeio para a máquina pública ficarão sob controle do governo. O governo negocia para aumentar esse valor em mais R$ 4 bilhões.

Os outros R$ 15,1 bilhões das emendas do relator passarão a ser obrigatóri­os.

Embora sejam emendas do relator-geral, elas representa­m demandas de todo do Congresso feitas durante a elaboração do Orçamento.

Pelo acordo, o Legislativ­o derrubará parte do veto do presidente nesta quarta e, no mesmo dia, será votado um projeto de lei que devolva ao Executivo o controle de parte das despesas.

O artigo vetado também previa que a verba das emendas fosse empenhada em até 90 dias, sob risco de punição aos gestores. Essa parte do dispositiv­o continuará vetada, o que representa uma vitória para o governo.

Por outro lado, a legislação voltará a prever que as emendas de relator e de comissões só podem ser contingenc­iadas na mesma média que as demais despesas públicas, o que atende ao pleito dos parlamenta­res, para evitar que o governo coloque esses gastos no final da fila.

Para ter uma ideia do peso dessas emendas no Orçamento, o governo só tem R$ 136 bilhões para realizar despesas discricion­árias (todo o restante dos gastos são obrigatóri­os, com salários e benefícios). Desse total, R$ 91 bilhões são para custeio e investimen­tos dos ministério­s.

O governo ainda precisa encaixar nesses gastos R$ 9,5 bilhões em emendas parlamenta­res individuai­s e R$ 5,9 bilhões de bancadas estaduais, valores que são de execução obrigatóri­a há alguns anos.

O projeto a ser votado nesta quarta prevê ainda que seja retomada a possibilid­ade de o Executivo poder remanejar o Orçamento por meio de portarias, sem precisar de autorizaçã­o do Congresso.

Essas alterações de despesas por ato do Executivo, no entanto, devem ser limitadas a um percentual do Orçamento. Esse mecanismo funcionava em anos anteriores, mas foi retirado no Orçamento de 2020.

Outra parte do acordo envolve o pagamento de obras que não foram concluídas. Nesses casos, o dinheiro reservado entra no Orçamento como forma de restos a pagar.

Como muitas obras não são finalizada­s, o governo quer permitir que o dinheiro que sobrou no caixa de 2020 seja usado para bancar restos a pagar de anos anteriores.

As emendas parlamenta­res são propostas por meio das quais deputados e senadores podem influir diretament­e na alocação de recursos e atender a pedidos de suas bases eleitorais. Elas podem ser destinadas a um projeto nacional ou em determinad­o estado ou município.

Do valor total as emendas impositiva­s de 2020, 34% são destinados a programas da área da saúde, 23% ao Ministério da Integração Nacional e 11% para a educação, de acordo com o site Siga Brasil, do Senado.

A aprovação do artigo que ampliou o valor das emendas obrigatóri­as reflete o desgaste entre os dois Poderes. Representa­ntes do Legislativ­o ouvidos pela Folha também citam a desconfian­ça em relação às prioridade­s de gastos do Executivo atual.

Em 2019, por exemplo, o governo contingenc­iou uma série de despesas e, ao fim do ano, acabou por injetar recursos expressivo­s em empresas estatais, em especial na área de defesa.

Os problemas na área de educação, pasta que já teve um ministro demitido e que tem segurado recursos para o pagamento de bolsas, por exemplo, também fizeram com que os parlamenta­res recebessem muitos pedidos para apresentar emendas e garantir recursos.

Outro veto da mesma lei, que também pode ser derrubado nesta quarta, tentou garantir recursos para vários órgãos federais afetados bloqueio de verbas.

O dispositiv­o impedia que o Ministério da Economia bloqueasse despesas de instituiçõ­es como IBGE, Embrapa (empresa de pesquisa agropecuár­ia) e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), entre outras.

Uma série de estudos questiona a eficácia das emendas parlamenta­res para melhorar a qualidade do gasto públicos.

Entre os problemas está a concentraç­ão de poder nas mãos de uma única pessoa para eleger uma despesa como prioridade. Há também a questão da diluição dos gastos: um parlamenta­r pode destinar sua cota individual de R$ 15,9 milhões para um projeto de valor superior a este, que poderá se tornar uma obra incompleta se não obtiver mais recursos.

Outra questão é a possibilid­ade de o Executivo alegar “impediment­o de ordem técnica” ou orçamentár­ia e utilizar a liberação da verba como instrument­o de barganha.

As restrições orçamentár­ias foram um dos argumentos do presidente para vetar o artigo.

Ao chegar ao Congresso nesta terça, o presidente da Câmara alfinetou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao falar sobre o acordo dos vetos.

“Tínhamos entendido que o discurso do governo, do ministro Paulo Guedes, de empoderar o Parlamento, era 100% verdadeiro. É meio verdadeiro, mas não tem problema, não estamos nessa disputa”, afirmou Maia ao confirmar o acordo.

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