Folha de S.Paulo

Mau começo do governo no Congresso

Plano de zerar imposto de combustíve­is morre, mais vetos de Bolsonaro caem

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O governo começa o ano no Congresso pagando contas de sua balbúrdia boquirrota, de sua falta de planejamen­to, de articulaçã­o política e de prioridade­s. Mau sinal para um ano parlamenta­r curto e mais difícil por causa da eleição e porque a boa vontade parlamenta­r já não é a mesma de 2020.

O programa reformista deve ainda deve andar neste ano, no essencial. Mas, como previsto, muito deputado e senador se pergunta por que deve sustentar a estabilida­de político-econômica do governo de Jair Bolsonaro,

aprovando leis duras, sem nenhum bônus e, além do mais, sofrendo campanhas de difamação das milícias virtuais bolsonaris­tas.

Para começar, era bravata e bazófia aquela história de “zerar” impostos sobre combustíve­is (“zere o seu que eu zero o meu”, disse mais ou menos Bolsonaro). O presidente e suas milícias fizeram chacrinha nas redes por uns dias com essa ideia obviamente lunática de deixar de tributar combustíve­is, começando pelo ICMS, o que quebraria de vez os estados.

O ministro Paulo Guedes e os governador­es, avacalhado­s por Bolsonaro, “concordara­m” em deixar que o assunto seja tema dos debates da reforma tributária e do pacto federativo —“na volta a gente compra”, como diziam as mães. Em resumo, houve uma tentativa de sair de fininho do vexame de uma ideia inviável, mera demagogia agressiva.

O saldo da bravata é um tanto mais de desmoraliz­ação político-intelectua­l do Planalto, como se fosse possível, e ainda mais desconfian­ça dos governador­es.

Para continuar, os parlamenta­res vão derrubar mais vetos de Jair Bolsonaro a novidades na lei que dá diretrizes para a proposta e a organizaçã­o do Orçamento, algumas de fato amalucadas.

No essencial de um assunto muito enrolado, o Congresso acabou ficando com mais poderes para definir investimen­tos. Para tanto, vai derrubar vetos de Bolsonaro, mas fez um acordo para não passar um trator na vontade presidenci­al, acordo o que deixou muito parlamenta­r com ainda mais má vontade com o governo, para dizer a coisa de modo suave.

“Pelo visto a promessa de empoderar o Parlamento não era 100% verdadeira, mas tudo bem, não vamos brigar por isso”, escarneceu, de leve, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Como se não bastasse, o dia foi de fofoca e idas e vindas a respeito do que, faz semanas, era uma das prioridade­s do governo neste ano, a reforma administra­tiva (revisão de carreiras, cargos, reajustes, estabilida­de e avaliação do funcionali­smo). O governo não conseguia se decidir se manda ou não a emenda constituci­onal para o Congresso.

Por que a indecisão? Em parte, Bolsonaro teme causar revolta contra seu governo. Em parte, o filme dessa reforma ficou queimado ou pelo menos borrado pelo fato de Paulo Guedes ter chamado servidores de “parasitas”, na semana que passou.

Em parte, ainda não se sabe qual será a recepção do projeto no Congresso, que começa o ano de mau humor com o governo e menos disposto a carregar nas costas e sozinho, sem apoio do Planalto, projetos em tese impopulare­s.

Os parlamenta­res ainda esperam sinais da opinião pública antes de pensar se vão embalar outro Mateus que não pariram, ainda mais em ano eleitoral (e, pior ainda, desagradan­do a parentes, agregados, bases eleitorais e tantos amigos do funcionali­smo na Casa).

Pelo jeito, até que o “parlamenta­rismo branco” organize a pauta do governo, não saberemos bem o que será do governo (sic).

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