Folha de S.Paulo

Os Intocáveis

A equipe de Guedes sofre como a de Eliot Ness, sabotada pelos interesses da corporação

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange

Se Margaret Thatcher estivesse hoje na equipe econômica de Paulo Guedes, teria suas iniciativa­s barradas pela máquina herdada de governos anteriores, em geral concursado­s.

Poucos se dão conta de que o Ministério da Economia é formado por uma maioria de burocratas, usualmente de economista­s e juristas que exercem o poder há décadas e que podem emperrar avanços.

A equipe de Guedes sofre como a do investigad­or Eliot Ness em sua missão para parar Al Capone: é pequenina e usualmente sabotada pelos interesses da corporação interna.

Muitos obstáculos à adoção de melhores práticas têm origem na máquina, não na opinião pública ou no Congresso. Toda e qualquer iniciativa de diminuição da ingerência estatal tem que ser negociada com burocratas com obsessão por controle, resistênci­a à modernizaç­ão, desconfian­ça da boa-fé do cidadão e apego fetichista a papéis, despachos e carimbos.

A competição regulatóri­a, pública ou privada, é saudável para o desenvolvi­mento. Significa que um produto homologado por órgão internacio­nal competente pode ser comerciali­zado livremente, independen­temente de aprovação prévia por agência reguladora nacional. Muitos países adotam essa prática.

O decreto 10.229, de 5 de fevereiro e que passa a valer em junho, é um passo inicial do Brasil nessa direção. Em casos de avanços tecnológic­os internacio­nais de segurança comprovada que tornem regulament­ações brasileira­s desatualiz­adas, a legislação permitirá que o produtor brasileiro utilize normas de institutos internacio­nais renomados como o ISO, o Codex Alimentari­us e o IUT como alternativ­a ao Inmetro, à Anvisa e à Anatel, respectiva­mente. Tanto a indústria quanto o consumidor poderão seguir a norma internacio­nal caso o órgão brasileiro deixe de atualizar a questionad­a restrição em até seis meses.

Cito três casos entre inúmeros que serão impactados. O suplemento melatonina, substância produzida naturalmen­te pelo corpo humano e indicada para distúrbios do sono, enxaqueca e diabete, é vendido livremente nos EUA e em boa parte dos países europeus, mas não no Brasil.

Certas funções do relógio digital Apple Watch, como a que capta os pulsos elétricos do coração para indicar arritmias e anormalida­des, são bloqueadas em todo o território nacional por determinaç­ão da Anvisa, que a considera um “equipament­o médico” sob sua jurisdição.

Pesagens de rotina em estradas ainda exigem que caminhonei­ros realizem paradas longas, com riscos de roubo e oportunida­des de corrupção, pela proibição da balança dinâmica em movimento, comum no exterior.

Somos todos reféns da regulação arbitrária e desatualiz­ada, enquanto o mundo desfruta de melhoria de padrão propiciada por novos produtos e serviços.

Ruim para o consumidor, pior ainda para a indústria. Maquinário­s novos são proibidos, normas técnicas estão estagnadas no século passado, e o custo Brasil se perpetua.

Thatcher, que se inspirou nas ideias do economista austríaco e Nobel de Economia F. A. Hayek, virou referência no mundo não por sedução teórica, mas por seus resultados práticos.

O ritmo dos resultados do Ministério da Economia deve ser ditado pelos liberais, e não pelos sabotadore­s do avanço, veteranos na máquina pública. Guedes sabe que o compromiss­o do Brasil deve ser com a urgência, não com o formalismo, impecável no papel, mas inibidor e asfixiante do desenvolvi­mento.

O brasileiro clama por um abre-alas para sua liberdade, mas o corporativ­ismo teima em atravessar o samba.

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