Folha de S.Paulo

O oitavo pecado capital

O Flamengo mostrou que existem maneiras mais eficientes de se jogar

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

No futebol, na política, na economia, no meio ambiente e em tudo o que acontece no mundo, os conceitos, as discussões e as possibilid­ades são baseados somente no que pode ser previsto, calculado e programado. Não se pensa e não se planeja levando-se em conta o que não tem controle, mas que pode estar presente, como os dilúvios urbanos, diante da impotência e do desamparo humano. O acaso é também habitual.

Na Copa de 1958, o ponta Zagallo percebeu que o meiocampo era muito grande para apenas dois jogadores. Passou a ser o terceiro, formando um trio, com Zito e Didi. No Mundial de 1962, fez o mesmo. Em 1970, o meia Rivellino exerceu a mesma função de Zagallo, pela esquerda, ao lado de Gérson e Clodoaldo.

Sessenta e dois anos depois da Copa de 1958, a maioria das equipes brasileira­s tem o mesmo problema no meiocampo. Joga com dois volantes, três meias e um centroavan­te. Como os dois jogadores pelos lados costumam atuar encostados à lateral durante toda a partida, e o meia centraliza­do atua mais à frente, na intermediá­ria do adversário, os dois volantes ficam sobrecarre­gados, ainda mais que são cobrados para jogar de uma intermediá­ria à outra.

A maioria das equipes sulamerica­nas apresenta a mesma carência. No torneio sub23 que definiu as duas seleções que disputarão a Olimpíada —Brasil e Argentina se classifica­ram—, havia, em todas as partidas, enormes espaços no meio-campo. Na vitória por 3 a 0 sobre a Argentina, o técnico André Jardine mudou o desenho tático e, em vez de três meias, escalou um meia ao lado de cada volante e dois atacantes. Deu certo. O meio-campo ficou mais preenchido, e a equipe ficou mais forte no ataque.

O Corinthian­s decide hoje uma vaga na fase de grupos da Libertador­es, contra o Guaraní, do Paraguai. Tem jogado com dois volantes, uma meia centraliza­do, mais à frente (Luan), e dois atacante pelos lados, colados às laterais. Fica um grande espaço para os dois volantes. Com isso, há pouca aproximaçã­o entre os setores, para a troca de passes. Ramiro, pela direita, tem feito falta, pois seria um terceiro jogador de meio-campo, como era no Grêmio.

Todas as principais equipes europeias possuem um trio no meio-campo, formado por um volante centraliza­do e um meio-campista de cada lado, que marca e avança como meia. Para funcionar bem, os dois meio-campistas, ou pelo menos um dos dois, precisam se infiltrar e finalizar.

No Palmeiras, Luxemburgo, na parte final do último jogo, experiment­ou o meio-campo com um volante e dois meiocampis­tas (Zé Rafael e Bruno Henrique). Saiu Lucas Lima. O Cruzeiro de 2003, campeão da tríplice coroa, dirigido por Luxemburgo, também tinha um trio no meiocampo, além de Alex à frente dos três, o que era o mais importante. Não dá para comparar Alex com Lucas Lima. Como Dudu e Willian se movimentam muito, pelos lados e pelo meio, a formação com um trio no meio-campo tem chance de ser a melhor para o Palmeiras.

O São Paulo precisa definir se Hernanes é um meio-campista, formando um trio com Tchê Tchê e Daniel Alves, ou se é um meia à frente dos dois. Daniel Alves tem jogado muito bem no meio-campo. Além da falta de gols, o São Paulo dá muitos espaços para o contra-ataque do adversário.

O Flamengo mostrou que existem maneiras mais eficientes de se jogar. Os outros técnicos de clubes brasileiro­s nem tentam. Acham que sabem tudo. A soberba deveria ser o oitavo pecado capital.

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