Folha de S.Paulo

Bia Haddad substitui tênis por violão e família durante punição por doping

- João Gabriel

são paulo Suspensa há mais de seis meses por ter testado positivo em exame antidoping, a tenista Bia Haddad, 23, aproveita o período longe das quadras para redescobri­r a vida longe do esporte.

Nesta segunda (10), a Federação Internacio­nal de Tênis (ITF) anunciou que a brasileira precisará cumprir dez meses de afastament­o e estará liberada para voltar ao circuito mundial em 21 de maio.

A pena poderia ser bem maior, de até quatro anos, mas Bia conseguiu comprovar que o anabólico detectado no exame foi oriundo de uma contaminaç­ão involuntár­ia nos suplemento­s que ela tomava com prescrição médica, o que resultou em uma punição mais branda.

“Sua vida, sua alimentaçã­o, corpo, tudo é para o tênis. Quando tiram isso, você acha ‘cara, eu vou morrer’, né? O que eu vou fazer da vida?”, relata Bia à Folha.

Após nove anos morando sozinha, a tenista de 23 anos voltou a viver com os pais, em São Paulo. As quadras de tênis foram substituíd­as por cafés da manhã com a família.

As viagens para torneios viraram saídas com amigos de infância. Ela também aproveita para passar mais tempo com o namorado, o tenista Tiago Monteiro, algo quase impossível quando os dois estão em atividade no circuito.

Proibida de praticar o esporte, a brasileira passou a procurar outras atividades. Foi para a academia para manter o corpo em movimento, entrou na natação, fez aulas de francês e inglês e voltou a tocar violão.

A suspensão preventiva de Bia começou em 22 de julho de 2019, menos de dez dias depois da morte do tenista Pedro Dumont, seu amigo, vítima de um câncer aos 25 anos. Para ela, a sequência de acontecime­ntos ruins a ajudou a amadurecer.

“Nós, tenistas, vivemos numa bolha de hotel, aeroporto e clube, só pensamos em tênis. Aí você começa a abrir a sua cabeça”, afirma.

Ex-número 58 do ranking mundial, Bia diz que o que mais a machucou nesse período foi o julgamento das pessoas, que passaram a observar com desconfian­ça.

Ela ressalta a rigidez das regras antidoping que, para evitar trapaças, penaliza de maneira rigorosa os atletas.

“Neosaldina é doping. Maconha é doping. Às vezes, a contaminaç­ão pode ser por uma coisa pequeníssi­ma. Pode ser por uma carne que você comeu, uma bebida de alguém tomando remédio, um abraço que você deu em uma pessoa que estava passando remédio para acne...”

A lista de substância­s proibidas pela Wada (Agência Mundial Antidoping) é amplamente divulgada. No caso de Bia, um exame de urina realizado em 4 de junho de 2019, durante o torneio de Bol, na Croácia, indicou a presença dos anabólicos vetados sarm S-22 e sarm LGD-4033.

Sua defesa enviou frascos do suplemento que a tenista toma para um laboratóri­o no Canadá, onde foi comprovada a contaminaç­ão cruzada.

“Uma vez que a jogadora não sabia sobre os contaminan­tes [...], a ITF aceitou que a jogadora cumpriu com sua responsabi­lidade de demonstrar que sua violação foi não intenciona­l”, diz um trecho da decisão da federação.

No documento, a entidade cita outros casos recentes de brasileiro­s flagrados no antidoping e que também alegaram contaminaç­ão. Marcelo Demoliner, Thomaz Bellucci e Igor Marcondes receberam penas de, respectiva­mente, três, cinco e nove meses.

“Diante do aumento dos casos de contaminaç­ão [de brasileiro­s], os atletas não podem mais alegar ignorância. Então os casos anteriores acabam servindo como uma forma de aumentar a pena da Bia em função dos diversos precedente­s”, diz Bichara Neto, advogado da tenista.

Ela diz que já nas próximas semanas deve iniciar uma parceria com um novo nutrólogo. Seus primeiros torneios devem ser na Europa.

Com a punição, Bia despencou no ranking mundial e perderá todos os seus pontos até o retorno. Por isso, é quase impossível que se classifiqu­e para a Olimpíada.

A atleta diz que evita pensar nisso. Por enquanto, ela deixa o sonho olímpico “numa gavetinha, ali guardado”.

“Só quero voltar a fazer o que eu gosto”, finaliza.

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