Folha de S.Paulo

O protagonis­mo do Congresso

Esse é o melhor caminho de que dispomos para conduzir as reformas

- Fernando Schüler Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo

Um dos mantras preferidos do governo é afirmar a autonomia do Congresso. Quem gosta do governo diz que se trata de respeito às instituiçõ­es; quem não gosta diz que é desleixo ou incompetên­cia. Ambas as opiniões valem pouco em um debate complexo como esse.

É fato que o Parlamento assumiu um novo protagonis­mo na democracia brasileira. O governo não perdeu propriamen­te a condução da pauta política. Estão aí o plano Mais Brasil e as três PECs, bem como o projeto de autonomia do Banco Central. E Rodrigo Maia já disse que a reforma administra­tiva não anda se o governo não assumir a paternidad­e.

Mas estamos diante de um novo modelo. A equação anterior, em que o governo distribuía a máquina púbica para obter maioria no Congresso, simplesmen­te se esgotou. Em nosso quadro de extrema fragmentaç­ão partidária, tudo ficou caro demais. Haverá tempo para um diagnóstic­o cuidadoso disso tudo.

O conceito que bem define o novo cenário é a correspons­abilidade. Pode-se buscar outros nomes, mas é disso que se trata. Equação feita de tensões e maiorias provisória­s. Consensos construído­s a cada projeto. Foi o que se viu nesta semana, no acordo em torno do orçamento impositivo.

A pergunta é se tudo isso faz bem à democracia e favorece a governabil­idade do país. Para a democracia não me parece haver dúvidas. O argumento da coalizão majoritári­a, nos moldes praticados desde a redemocrat­ização, parte de duas premissas frágeis.

A primeira atribui demasiada racionalid­ade ao Executivo. É o argumento do Executivo-príncipe. Quando lembro do plano Collor, dos desmandos fiscais de meados da década passada, ou mesmo da atual “agenda conservado­ra”, o argumento me parece perturbado­r.

Uma das funções essenciais do Parlamento é exatamente conter o Executivo. Isso é bom para a democracia. Não há lógica em quem ataca dia e noite a agenda do governo e, ato seguinte, reclama que o governo não tem maioria no Congresso.

A segunda fragilidad­e é atribuir virtude aos instrument­os constituci­onais colocados à disposição do presidente para formar base, no modelo habitual de coalizão. Distribuir emendas e cargos aos deputados amigos é reproduzir cansativam­ente nosso surrado patrimonia­lismo político.

Pode-se conceber, em abstrato, a ideia de uma coalizão em bases programáti­cas. Quando, exatamente, isso aconteceu? Em momentos de ruptura, como no governo Itamar?

No primeiro mandato de Fernando Henrique, como li recentemen­te? É possível que no futuro andemos nessa direção, mas não sem uma mudança de incentivos institucio­nais. A reforma política que não está no horizonte de ninguém.

Quanto à governabil­idade, Christophe­r Garman sugere uma visão positiva do protagonis­mo parlamenta­r. As restrições da PEC do Teto e o avanço do Parlamento sobre a execução orçamentár­ia tornariam racional para a liderança legislativ­a apoiara agenda reformista, além de algum incentivoà­respon sabilidade fiscal.

Boa tese, ainda que enfrente um problema de ação coletiva. É preciso coordenara açã ode uma base fluída de 17 partidos, 400 parlamenta­res e uma profusãode interesses paroquiais. Com a execução obrigatóri­a de emendas e sem cargos no varejo, para que mesmo lealdade ao governo?

A melhor posição para o parlamenta­r seria ado“caroneiro ”. Podendo colher um ganho coletivo com as reformas e deixar que os outros assumam o ônus de medidas impopulare­s, por que não? Não foi por isso que estados e municípios ficaram de fora da reforma da Previdênci­a?

Não penso que exista um modelo comparável globalment­e para saber o destino da atual experiênci­a brasileira. O governo Bolsonaro não é minoritári­o no Congresso. É apenas inorgânico, mas com uma agenda que vem se mostrando majoritári­a nos temas cruciais.

Seu maior erro seria precisamen­te tentar fazer o que até hoje nunca se dispôs ou teve capacidade para fazer: vincular o apoio à agenda econômica à lealdade ao governo. Sua melhor chance é manter a distância e a fluidez da base, ao contrário do que muitos pregam.

Por fim, um dado pragmático. O governo não irá mudar seu modo de condução política. Se o protagonis­mo do Congresso não é o melhor caminho para a viabilidad­e das reformas nestes tempos de incerteza, diria que é o único caminho do qual dispomos. dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo | sáb. Demétrio Magnoli

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