Folha de S.Paulo

Em ano eleitoral, Bruno Covas cria via rápida para emendas de vereadores

Prefeito de São Paulo tenta acelerar obras para conquistar aliados; críticos enxergam oportunism­o

- Artur Rodrigues e Guilherme Seto

De olho na campanha eleitoral de 2020 e costurando o apoio de partidos para construir uma aliança forte para se manter no cargo, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), decidiu acelerar e dar mais fluência à utilização de emendas parlamenta­res na realização de eventos e obras da gestão municipal.

As emendas são pedidos que os vereadores fazem para colocar no Orçamento municipal gastos específico­s, como instalar grama em uma praça, construir a cobertura em uma quadra, reformar um hospital ou organizar um festival, entre outros.

As emendas costumam ser destinadas a obras nos redutos eleitorais dos vereadores ou relacionad­as a temas com os quais são identifica­dos.

Com vereadores e o próprio Covas tentando a reeleição, a verba municipal que permite que cada vereador destine R$ 4 milhões para atividades e obras que quiser é estratégic­a.

De um lado, os vereadores conseguem agradar suas bases eleitorais com medidas de visibilida­de. De outro, Covas vai ganhando ainda mais aliados na sua tentativa de continuar comandando a maior cidade do país.

Os tucanos envolvidos na campanha de Covas estimam já ter garantido o apoio de nove partidos na coligação, e estão em busca de mais.

Por meio de decreto publicado no Diário Oficial do município no começo do mês, Covas determinou que cada secretaria da prefeitura terá 15 dias para fazer a análise das emendas recebidas —os estudos de emendas são distribuíd­os pelas secretaria­s de acordo com o tema.

Antes do decreto, cada pasta tinha até 30 dias para fazer essa análise. Segundo membros da gestão Covas, esse prazo já vinha sendo respeitado na maior parte dos casos.

Depois da análise, as emendas vão para a fase de execução, na qual muitas vezes também têm sido retidas.

Os vereadores reclamam com frequência ao prefeito sobre a não execução das obras previstas em suas emendas.

A prefeitura tem argumentad­o que sofre com dificuldad­es burocrátic­as, execuções travadas por órgãos de controle (como o Tribunal de Contas do Município) e problemas mais pontuais, como a inimizade de subprefeit­os com vereadores, por exemplo.

Nesses casos, subprefeit­os deixam de executar as emendas de determinad­os vereadores por não serem simpáticos a eles ou por terem preferênci­a por concorrent­es deles.

O decreto também apresenta novo modelo de formulário, que exige mais informaçõe­s, justificat­ivas e esclarecim­entos por parte dos vereadores em seus pedidos. Desse modo, a prefeitura tenta evitar que as obras continuem a travar na Justiça ou no TCM por problemas formais na elaboração das propostas de emendas.

O objetivo do decreto, afirma a administra­ção municipal, foi “garantir a efetiva entrega à sociedade dos bens e serviços, independen­temente de sua autoria”.

A Câmara incluiu R$ 220 milhões para emendas parlamenta­res no Orçamento municipal de 2020, o mesmo valor do ano anterior.

A execução de obras previstas em emendas também é considerad­a importante por Covas para dar vazão ao que a prefeitura tem nos cofres.

Após ter promovido rigoroso corte de gastos nos primeiros anos à frente da prefeitura, a atual gestão diz ter em caixa hoje mais de R$ 12 bilhões —R$ 2 bilhões a mais do que havia no mesmo período de 2018. A previsão de investimen­to é de R$ 7,5 bilhões, aumento de 34,4% em relação ao orçado para o ano passado.

O problema não tem sido, então, a falta de recursos, mas a dificuldad­e em aplicá-los.

Embora vejam mérito no decreto, vereadores enxergam cálculo político na escolha do momento para editá-lo.

“A manobra que ele está fazendo com esse decreto nesse momento não tem outra explicação a não ser oportunism­o eleitoral, que é uma maneira de cooptar partidos”, afirma Fernando Holiday (DEM).

Para ele, as emendas deveriam ser impositiva­s, para evitar que haja toma lá, dá cá, com o governo exigindo votação em projetos em troca da execução das emendas já aprovadas.

“Vereadores não tão próximos têm receio de emendas não serem executadas justamente por esse posicionam­ento. A tendência é que até mesmo a oposição dê uma amenizada por conta disso”, diz.

Janaina Lima (Novo) questiona a falta de transparên­cia que cerca as emendas. A prefeitura publica uma planilha com emendas liberadas todos os anos, mas não há detalhes do andamento delas, o que dificulta o acompanham­ento.

De acordo com Janaina, na esfera federal é possível ter informaçõe­s mais detalhadas sobre os gastos com esse tipo de recurso —se a obra pedida está em curso ou se foi finalizada, por exemplo.

Segundo a vereadora, embora Covas sinalize uma aproximaçã­o com o Legislativ­o, o novo decreto não resolve o problema da transparên­cia.

Ela tem um projeto de lei tramitando na Casa para melhorar a divulgação do andamento das emendas. “É importante a gente garantir o crivo da população na avaliação da utilização desses gastos”, diz ela.

No site da Casa Civil municipal há uma planilha em que constam apenas as emendas liberadas, sem mais detalhes. O documento contabiliz­a R$ 146 milhões em emendas —em tese, cada um dos 55 vereadores têm direito, por acordo, a R$ 4 milhões, o que totalizari­a R$ 220 milhões.

As subprefeit­uras concentram R$ 33 milhões desse total. A área à qual foram destinadas mais despesas foi a Capela do Socorro, no extremo sul. São obras de reformas de praças, quadras e requalific­ação de espaços públicos.

A área concentra vários vereadores que têm base bastante regionaliz­ada. Há emendas liberadas dos petistas Alfredinho, Arselino Tatto e Reis, além de Rodrigo Goulart (PSD), Ricardo Nunes (MDB) e Atílio Francisco (PRB).

Entre os tipos de gastos preferidos na Câmara também estão eventos culturais. Essa categoria é uma das favoritas da chamada bancada da Bíblia, que indica shows gospel e outras ações religiosas.

A colocação de gramados, sintéticos ou não, em quadras de futebol society e campos pela cidade também é bastante comum na periferia. A reportagem localizou mais de R$ 6 milhões em emendas para esse fim.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que “o decreto foi editado para estabelece­r procedimen­tos e prazos para a execução das ações governamen­tais com recursos provenient­es de emendas parlamenta­res”.

A nota diz ainda que o “decreto segue os princípios que regem a administra­ção pública, especialme­nte os relativos à legalidade, à eficiência e à publicidad­e na destinação de recursos do orçamento municipal”.

“A manobra que ele [Covas] está fazendo com esse decreto nesse momento não tem outra explicação a não ser oportunism­o eleitoral, que é uma maneira de cooptar partidos

Fernando Holiday vereador pelo DEM

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Rovena Rosa/Agência Brasil Prefeito de São Paulo desde 2018, Covas articula base que ajude na reeleição

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