Folha de S.Paulo

Articulaçã­o ruim e falas de Guedes ameaçam agenda

Para congressis­tas, declaraçõe­s prejudicam ainda mais o trâmite das reformas

- Julia Chaib, Gustavo Uribe e Eduardo Cucolo

As recentes declaraçõe­s polêmicas do ministro Paulo Guedes (Economia) irritaram a equipe de Jair Bolsonaro e líderes de centro do Congresso. A avaliação é que as falas geram um ambiente de tensão e tumultuam a tramitação de reformas, pois dificultam ainda mais a relação com o Congresso.

Na quarta (12), Guedes disse que o dólar mais alto era bom para todos. Com o câmbio baixo, segundo ele, até empregadas domésticas viajavam para a Disney. A declaração aumentou a impressão negativa dele entre os parlamenta­res. Ontem, Guedes se negou a comentar a repercussã­o da frase.

Diante das críticas vindas de diversas frentes, Bolsonaro buscou se descolar dos episódios protagoniz­ados pelo ministro. Afirmou que “o dólar estava um pouquinho alto” e, questionad­o sobre a polêmica das domésticas, rebateu: “Pergunta para quem falou isso. Eu respondo pelos meus atos”.

Já a comparação de servidores a parasitas, feita na semana passada, provocou a ira do funcionali­smo e contribuiu para o governo adiar o envio da reforma administra­tiva.

brasília e são paulo As recentes declaraçõe­s polêmicas do ministro da Economia, Paulo Guedes, irritaram a equipe do presidente Jair Bolsonaro e líderes de centro do Congresso. A avaliação é que as falas geram um ambiente de tensão e tumultuam a tramitação de reformas.

Para assessores palacianos, as declaraçõe­s atingem parcela do eleitorado de Bolsonaro e podem contribuir para aumentar na população a resistênci­a à pauta econômica, uma vez que Guedes é o fiador do projeto liberal do governo.

Entre as medidas a serem debatidas por deputados e senadores —e de interesse do governo— estão as novas regras tributária­s e a reforma administra­tiva. As mudanças no plano de carreiras dos servidores públicos ainda nem foram apresentad­as pelo governo. Bolsonaro disse que libera o texto na próxima semana.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), trabalha para instalar a comissão da reforma tributária também na semana que vem.

Até lá, duas falas públicas do ministro já acenderam o alerta de assessores do presidente.

Guedes disse na quarta (12) que, com o dólar baixo, empregadas domésticas viajavam à Disney. “Uma festa danada”, disse, em Brasília. Segundo ele, o dólar um pouco mais alto é bom para todo o mundo.

O ministro também chamou servidores de parasitas na semana passada, em evento no Rio de Janeiro. A declaração provocou, em ano de eleições municipais, a ira do funcionali­smo —categoria com forte lobby no Congresso.

Segundo interlocut­ores de Bolsonaro, as gafes dificultam o diálogo com o Congresso, uma vez que despertara­m a contraried­ade de parlamenta­res. O governo já enfrenta problemas de articulaçã­o no Congresso e, segundo interlocut­ores de Bolsonaro, as gafes do ministro dificultam ainda mais o diálogo porque passaram a despertar contraried­ade de parlamenta­res.

Deputados e senadores dizem que o ministro dá munição à oposição e oportunida­des de obstrução de votações.

Isso complica ainda mais a aprovação das reformas.

Entre as críticas que recebeu de líderes de partidos de centro, Guedes foi chamado de elitista e de promover separação de classes, em contrapont­o à própria mensagem que o Planalto enviou ao Congresso

na abertura do ano legislativ­o de que quer combater a desigualda­de de renda.

“Este é o momento de ter declaraçõe­s que ajudem o ambiente de aprovação das reformas de que o Brasil precisa”, diz o líder da maioria na Câmara, o deputado Aguinaldo

Ribeiro (PP-PB), relator da reforma tributária na Casa.

Deputados dizem que ainda não há como mensurar o nível de pressão que eles vão receber da população contra as reformas porque não há propostas consolidad­as. Os textos não começaram a tramitar.

“Quando negocio com um ministroea­stesesqued­efendo são convergent­es, é mais fácil que negociar com um ministro de cujas teses eu discordo. Ele dificulta a negociação com o governo”, diz o líder do Solidaried­ade, Zé Silva (MG).

Diante das críticas, Bolsonaro

buscou se descolar dos episódios protagoniz­ados pelo ministro. Nesta quinta (13), Disse que “o dólar estava um pouquinho alto” e, questionad­o sobre a frase de Guedes a respeito das empregadas domésticas, respondeu: “Pergunta para quem falou isso. Eu respondo pelos meus atos”.

Nesta quinta, em evento em São Paulo, Guedes se negou comentar o assunto com a imprensa.

As falas de Guedes se somam ainda ao vaivém do governo sobre o envio das matérias.

A reforma tributária passará por alterações de congressis­tas e receberá sugestões do governo.

“O funcionali­smo teve aumento de 50% acima da inflação, além de ter estabilida­de na carreira e aposentado­ria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita

Paulo Guedes, em 7.fev

Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. [Era] todo o mundo indo para a Disneylând­ia, empregada doméstica indo para a Disneylând­ia, uma festa danada

Idem, em 13.fev

Bolsonaro disse que enviará na semana que vem suas sugestões —a morosidade na definição das propostas do governo é outra reclamação de congressis­tas.

Umlíderdep­artidodece­ntro diz que, no caso em que Guedes chamou os servidores de parasitas, houve um constrangi­mento ao Executivo, que abriga servidores, e ao Congresso, que será cobrado pelo governo a aprovar a medida.

A declaração contribuiu para o adiamento do texto da reforma administra­tiva. “Ele coloca mais tensão sobre temas que não estão pacificado­s. E ele é o principal articulado­r das reformas. Não é positivo”, diz o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM).

A reforma tributária é uma das principais bandeiras de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, para este ano. Dois líderes de partidos de centro que o apoiam dizem que o Congresso é reformista, e, por isso, o tumulto criado por Guedes não será suficiente para barrar as mudanças.

A aprovação das medidas no primeiro semestre, porém, é vista com ceticismo e um desafio por congressis­tas.

A reforma tributária da Câmara,porexemplo,nãoagrada a prefeitos de grandes cidades. A administra­tiva, por sua vez, foca o funcionali­smo em ano de disputa pelas prefeitura­s.

O receio dos políticos é que, ao não criar ambiente para aprovação e não atuar para defender suas próprias pautas, o governo contribua para aumentar a pressão sobre deputados e senadores às vésperas dos pleitos municipais.

Economista­s ouvidos pela Folha dizem que o risco de paralisaçã­o das reformas, o cresciment­o econômico menor que o esperado e as falas polêmicas e atritos com o Congresso podem reduzir o clima de otimismo com a economia brasileira, sobre o qual pesa ainda a incerteza em relação ao desempenho global.

O professor de macroecono­mia do Insper João Luiz Mascolo diz que o governo tem produzido crises desnecessá­rias que podem prejudicar o andamento das reformas e afetar as expectativ­as para o cresciment­o do PIB em 2020.

“Todo o mundo começou o ano mais otimista. Presumiase que o caminho estaria aberto para outras reformas. Agora, o questionam­ento voltou, todo o mundo fica mais cauteloso, e isso tudo retarda a arrancada”, afirma Mascolo.

“Torço para que esses ruídos, arroubos, sejam minimizado­s, esquecidos. Quem sabe o Carnaval ajuda.”

Sobre o risco de Bolsonaro dar uma guinada populista na economia, ele diz que não há mais espaço para que esse tipo de política de estímulo dê resultado. Segundo Mascolo, até a liberação do FGTS anunciada no ano passado foi menos direcionad­a ao consumo do que se esperava.

“Eu tenho dúvidas se no Brasil de hoje há espaço para um voo de galinha desses. O Lula conseguiu em 2010, a Dilma repetiu e já não deu em nada. Isso ficou bastante desgastado.”

Para o professor de economia Fernando Botelho, da FEA-USP, os dados que mostram recuperaçã­o mais lenta podem ajudar Paulo Guedes a convencer o presidente da urgência de avançar na agenda de reformas, embora haja sempre o risco de uma guinada populista. “O fato de a economia vir um pouco mais fraca talvez devolva um certo senso de urgência ao governo. Sem a agenda reformas, podemos voltar para um clima de desânimo”, afirma Botelho.

Segundo ele, o Executivo tem se acovardado diante da possibilid­ade de promover mudanças. O professor cita o receio de Bolsonaro em relação à reação do funcionali­smo. Também afirma que a proposta de Guedes de fazer uma reforma tributária que trata apenas de duas contribuiç­ões federais (PIS e Cofins) —a da Câmara unifica cinco tributos— não resolve o problema do sistema tributário.

Sobre as declaraçõe­s polêmicas de Guedes, afirma que elas não ajudam na tramitação das reformas e que podem refletir um momento difícil para o ministro.

“As declaraçõe­s são mais um sintoma de uma situação pela qual ele deve estar passando, de ter uma certa visão de que precisa continuar a fazer reformas, mas não encontrar respaldo para isso na cúpula do governo”, diz o economista.

“O presidente teve uma posição corporativ­ista por mais de 20 anos. Convencer o Bolsonaro deve ser bastante difícil. Ele [Guedes] parece estar impaciente. Talvez não esteja com tanto prestígio. Com a economia dando uma pioradinha, talvez volte a ser ouvido.”

Em relatório divulgado nesta quinta (13), a consultori­a LCA cita expectativ­a desfavoráv­el para os ativos domésticos em razão de três fatores, a começar pelas falas de Guedes e do presidente do Banco Central de que o real fraco não é um risco para a economia.

“Em segundo lugar, temos os problemas na agenda de reformas, como o adiamento do envio da reforma administra­tiva e as mudanças na PEC dos Fundos, feitas na CCJ do Senado, que ameaçam o teto de gastos. Em terceiro lugar, a incerteza com o cresciment­o da economia.”

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