Folha de S.Paulo

Lídice da Mata Machismo está entranhado

Após repórter da Folha ser ofendida, relatora quer estender CPI das Fake News

- Danielle Brant

Relatora da CPMI das Fake News, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) se diz indignada, mas não surpresa com as ofensas à jornalista da Folha Patrícia Campos Mello. “O machismo está entranhado, enraizado na política”, disse.

brasília Relatora da CPMI das Fake News, a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) se diz indignada, mas não surpresa, com os insultos e ofensas de cunho sexual sofridos pela jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, na última terça-feira (11) no Congresso.

Entre outras mentiras à comissão, Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionári­o da agência de marketing digital Yacows, disse que Patrícia se insinuou sexualment­e para obter informaçõe­s para a reportagem em que revelou fraudes em CPFs para disparos em massa de mensagens pelo WhatsApp nas eleições presidenci­ais de 2018.

As acusações falsas de Hans encontrara­m respaldo em congressis­tas aliados a Jair Bolsonaro, entre eles o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

O parlamenta­r ajudou a reproduzir e a disseminar as mentiras contadas pelo exfuncioná­rio da Yacows aos membros da comissão.

“Essa coisa do machismo é tão enraizada de forma tão forte na política...”, diz Lídice. “Está tão incorporad­o à cultura deles que eles não percebem. E outras vezes fazem com interesse mesmo perverso de desqualifi­car.”

* Como a sra. vê o fato de um depoente ter prestado falso testemunho na CPMI?

Foi um episódio lamentável. Nós temos de levar adiante a punição do depoente. A lei lhe permite também uma retratação, a procura da comissão ou da Justiça para fazer uma retratação. Eu indico esse caminho.

Ele é fruto desse ambiente de desinforma­ção, de campanha de desinforma­ção no Brasil, que combina um roteiro, repete aquele roteiro e mobiliza as suas redes, espontânea­s ou de robôs, para fazer aquela narrativa ou aquele roteiro ser o vitorioso.

Ele já chegou com uma predisposi­ção. A fala do líder do PSL [na Câmara, Eduardo Bolsonaro] foi toda acusatória à jornalista. E posteriorm­ente a fala de agressão a ela mais explícita, usando a insinuação maldosa, sórdida, feita pelo depoente, demonstra esse nexo entre o depoimento e o que estava se armando para repercutir. Mentir numa CP

MI é crime, é grave. É perjúrio.

O que eu creio que aconteceu depois —diante da reação da própria Patrícia, publicada na Folha, negando ponto por ponto da fala no mesmo dia, e a reação e a solidaried­ade ao ataque absurdo na sua condição de mulher— é que eles começaram a tentar criar outra narrativa falsa. Buscaram dizer que os prints que foram usados eram outros.

O fato de ele ter prestado esse falso testemunho em relação à Patrícia não fragiliza as outras informaçõe­s que ele trouxe?

Fragiliza, mas ele não trouxe muito mais informação. Ele confirmou tudo o que a Patrícia denunciou na Folha, a verdade é essa.

Apesar de dizer que não deu aquela entrevista, tudo o que está na entrevista ele confirmou. Ele protegeu diversas pessoas. Ele não disse o nome de nenhum superinten­dente. É muito estranho que ele tenha uma memória tão detalhada para algumas coisas e simplesmen­te esqueça o nome do seu chefe imediato. E o ano em que ele começou a trabalhar.

Ele chegou a dizer que entrou na empresa quando o Lula foi preso [em abril de 2018]. Me pareceu muito mais uma referência provocativ­a, porque ele entrou na empresa em agosto e saiu em setembro.

Como o episódio de uma testemunha prestar falso testemunho na CPI afeta o trabalho de vocês?

Reforça a necessidad­e da investigaç­ão, demonstra como a prática de disparos em massa é feita sem controle no Brasil. A CPI já convocou os donos da Yacows, e nós devemos levar adiante essa investigaç­ão.

A sra. vai propor a quebra de sigilo bancário e telefônico dele?

Também. Mas nós vamos focar a empresa.

Por que a sra. sentiu a necessidad­e de acionar o Ministério Público?

Para não deixar passar muito tempo, para não dar essa impressão de que a CPMI não reagiu. Para não dar essa ideia de que quem quiser pode chegar aqui e fazer do jeito que quiser. Não pode ser assim. Há regras.

E que tipo de resultado a sra. espera da CPMI?

Um cenário é o de chegarmos até o dia 13 de abril com o relatório pronto, e teremos ênfase na recomendaç­ão de projetos de lei.

O contato que eu tenho tido com as vítimas na política de fake news é a que as pessoas se perguntam a quem recorrer. Esse roteiro é preciso dar a quem é vítima de fake news.

E eu tenho uma posição de que a gente devia adiar o término, estendendo a CPMI pelo menos até junho para ganhar tempo, antes da eleição, de avançar na investigaç­ão propriamen­te dita de casos concretos.

Com mais tempo, o relatório poderia trazer um indiciamen­to mais sólido?

Poderia trazer, por exemplo, um resultado de quebra de sigilo bancário e telefônico, coisa que fica quase impossível de se fazer com apenas um delegado da Polícia Federal. A equipe está avançando no seu trabalho, porém nós não podemos fazer isso sem ter tempo de construção.

A sra. acha que as eleições municipais vão ter um cenário tão forte de fake news como em 2018?

Eu acho que vai ser tão complicado quanto. Porém, a eleição de 2020 é municipal. E a maioria dos municípios brasileiro­s tem menos de 50 mil habitantes.

Apesar do efeito deletério, num município pequeno as pessoas podem comprovar a prática daquilo que foi dito, porque elas se conhecem.

Então o que um fala do outro o povo mais ou menos já sabe o que é verdade e o que é mentira, é mais rápida a possibilid­ade de o desmentido chegar ao conjunto da população.

Nos ataques de terça, houve muitos componente­s de misoginia.

Todos.

E a sra. tem uma atuação em defesa das mulheres. Colegas seus disseram que a sra. estava nervosa. Como viu isso?

Essa coisa do machismo é tão entranhada, tão enraizada de forma tão forte na política...

Como sabem que isso é uma coisa negativa na sociedade, principalm­ente nos dias atuais, quando a mulher já tem um nível de participaç­ão mais intensa na economia, nas atividades sociais, eles cometem o ato falho e fazem isso de forma muito espontânea.

Está tão incorporad­o à cultura deles que eles não percebem. E outras vezes fazem com interesse mesmo perverso de desqualifi­car. É sempre na intenção de desqualifi­car.

Eu tenho uma larga experiênci­a, porque fui prefeita.

Eu brinco que um determinad­o meio de comunicaçã­o da cidade, quando falava de mim, dizia “a prefeitinh­a”, porque sou baixinha. Eu dizia: “Interessan­te, porque nunca vi alguém ter coragem de chamar Franco [Francisco Franco, ditador espanhol] de Franquinho”. Porque ele era baixinho. Ou Hitler [Adolf Hitler, ditador nazista] também, porque ele não era muito alto.

O pretexto de eu ser baixinha era usado muito mais no sentido de desqualifi­car, de diminuir a mulher. É um machismo rasteiro, primário, não chega nem a ser elaborado, que foi o que esse rapaz até fez.

Chamou a senhora de menina, né?

É. Por que me chamar de menina? A outro se dirigiu como “moço”, mas a mim como “menina”. É um pouco para ir desqualifi­cando, é natural. Está tão entranhado que eles se acham no direito de fazer assim e obter aplausos. E eu acho que chegou um momento de dar um basta nisso.

A sociedade está amadurecid­a, as mulheres conquistar­am, ao longo dessa nossa luta na sociedade brasileira, espaços em que nós não podemos admitir a permanênci­a desse discurso machista como uma arma constante na desqualifi­cação da mulher em todas as áreas em que ela atua profission­almente.

E aqui no Parlamento não é diferente. Escondem aqui e ali, mas qualquer vacilo você vai percebendo nas entrelinha­s todo o discurso bastante entremeado desse pensamento machista.

Nesse primeiro ano de governo, que não faz muitos acenos às mulheres, a sra. viu uma involução?

É claro que esse ambiente estimula. Eles se acham bonitinhos fazendo isso. Eles se acham poderosos fazendo isso, eles expõem vaidosamen­te o seu machismo. Porque ele é permitido, ele é consentido, ele é aprovado de alguma maneira.

Quando se põe uma mulher no governo, é uma mulher que, apesar de estar em um cargo público, afirma que as mulheres devem estar dentro de casa.

Isso é até uma contradiçã­o. Por que ela está lá se acha que as outras devem estar dentro de casa, o poder só pode ser para ela? É uma coisa bem estranha esse posicionam­ento.

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Pedro Ladeira/Folhapress

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