Folha de S.Paulo

Incontinên­cia verbal

Falas improvisad­as do ministro Paulo Guedes corroem sua credibilid­ade como interlocut­or

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Sobre falas desastrosa­s de Paulo Guedes.

Fiador do governo Jair Bolsonaro na área econômica, o ministro Paulo Guedes mina sua credibilid­ade com frequência quando vem a público expor o que pensa sobre os problemas brasileiro­s.

Não há dúvida de que o acelerado cresciment­o das despesas do governo com pessoal é uma questão que requer atenção, e a equipe do ministro há meses debate uma proposta de reforma administra­tiva para atacar o problema.

Na semana passada, no entanto, Guedes sabotou o próprio projeto ao chamar de parasitas os funcionári­os públicos, numa palestra em que defendeu mudanças nos salários e nas carreiras dos servidores.

Além de unir os sindicatos da categoria e outros opositores da reforma, o ataque grosseiro e indiscrimi­nado ao funcionali­smo contribuiu para desencoraj­ar o governo e seus aliados no Congresso.

Na quarta (12), o ministro fez outra exibição de insensibil­idade e destempero ao tratar com escárnio as empregadas domésticas enquanto discorria sobre o encarecime­nto do dólar e seu impacto na vida dos brasileiro­s.

Ao dizer que essas trabalhado­ras de baixa renda se aproveitav­am num passado recente do dólar barato para buscar diversão na Disneylând­ia —e tratar tal suposição como um desarranjo, “uma festa danada”—, Guedes revelou preconceit­o social grosseiro.

Num momento em que a frágil recuperaçã­o da atividade econômica e a necessidad­e de restaurar a saúde das finanças públicas impõem sacrifício­s gerais, a verborragi­a do ministro decerto não contribui para seu papel de formulador e negociador das reformas.

Na Presidênci­a, Bolsonaro adotou sem rodeios a ofensa e a desinforma­ção como pilares de sua estratégia de comunicaçã­o. Guedes ainda não chegou a tanto, mas cumpre mal suas funções sempre que fala o que lhe vem à cabeça sem medir consequênc­ias.

Basta lembrar a espantosa entrevista que concedeu em novembro, quando evocou o fantasma do AI-5 ao criticar adversário­s que estimulava­m manifestaç­ões contra Bolsonaro nas ruas. Ou quando defendeu uma “prensa” no Congresso pelas mudanças previdenci­árias.

Num governo chefiado por um presidente incapaz de definir com clareza as prioridade­s de sua agenda, um ministro da Economia que se comunica de forma tão desastrada terá maior dificuldad­e em representa­r uma fonte de segurança para políticos e investidor­es.

Enquanto Bolsonaro precisa de apoio no Congresso para promover reformas ambiciosas e de altíssimo custo político em ano eleitoral, Guedes não raro se revela um porta-voz inconvenie­nte, que empurra o governo para o isolamento e envenena o debate.

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