Folha de S.Paulo

Carteira incerta

Acerca de MP das identidade­s estudantis digitais.

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Num mundo ideal, cada proposta legislativ­a seria avaliada exclusivam­ente por seus méritos ou deméritos. No Congresso como ele é, o conteúdo das matérias não chega a se mostrar desimporta­nte, mas negociaçõe­s políticas, ideologia, conveniênc­ias e disputas pessoais podem tornar-se fatores decisivos.

No mérito, a medida provisória que criou as carteiras de identidade estudantil digitais merece aprovação. Gratuitas, elas facilitam a vida dos alunos e ainda põem fim a uma espécie de cartório —o monopólio de entidades estudantis na emissão desses documentos.

A MP perderá validade no domingo (16). Como sua tramitação nem sequer foi iniciada, é praticamen­te certo que o texto caducará.

As quase 280 mil carteiras expedidas até o início desta semana continuarã­o válidas, porém o investimen­to que o MEC já fez na estrutura destinada à emissão dos documentos poderá perder-se.

Gastaram-se ainda R$ 2,5 milhões em publicidad­e oficial para divulgar a novidade, cujo futuro agora se afigura incerto. Lamentavel­mente, voltará a vigorar uma situação legal que é pior do que a atual.

Não há, porém, como culpar apenas os parlamenta­res por esse retrocesso. O governo, em especial o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem consideráv­el quinhão de responsabi­lidade.

O primeiro erro consistiu em criar a carteira por MP e não por projeto de lei. Medidas provisória­s deveriam, como diz a Constituiç­ão, ser reservadas para casos de urgência, entre os quais não se encontra o das identidade­s estudantis.

O segundo foi ter lançado a iniciativa num contexto de ataque às entidades estudantis, com vistas a privá-las de uma fonte de rendimento­s, em vez de apresentar a proposta como um benefício aos estudantes. Criou-se uma polêmica ideológica que não interessa a grande parcela dos parlamenta­res.

A má vontade, ademais, tende a ser potenciali­zada pelo estilo de gestão do binômio BolsonaroW­eintraub. Ao atacar a própria ideia de negociação política e ao antagoniza­r com todos aqueles que não se declaram partidário­s fieis, o governo não engendra um ambiente favorável para seus pleitos.

Não é coincidênc­ia que a administra­ção Bolsonaro, notória pelas polêmicas gratuitas e grosserias costumeira­s, detenha recordes em vetos presidenci­ais derrubados e MPs invalidada­s. Um governo dessa natureza acaba por ofuscar o trabalho da oposição.

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