Folha de S.Paulo

Ala militar cria contrapont­o à pauta liberal de Guedes

Historicam­ente, Forças Armadas tendem ao nacionalis­mo e ao aumento de gastos, mesmo em tempos de dinheiro curto

- Bruno Boghossian

brasília Entre algumas cotovelada­s, Paulo Guedes conseguiu provar sua influência durante o ano inaugural de Jair Bolsonaro. O ministro contornou resistênci­as políticas dentro do governo e dobrou até o próprio presidente para emplacar uma agenda amarga de ajustes nas contas públicas.

A ampliação da presença de militares em postos-chave do Planalto deve lançar o chefe da equipe econômica numa nova competição. Ao cercar Bolsonaro, a ala fardada reforça também sua participaç­ão em decisões políticas que envolvem diretament­e a pauta de Guedes.

Os representa­ntes das Forças Armadas com assento no governo não chegam a discordar da cartilha liberal do ministro da Economia. Determinad­as posições, no entanto, produzem pontos de atrito com alguns desses planos.

Partiram da ala militar, por exemplo, sinais de resistênci­a que levaram Bolsonaro a hesitar no envio da reforma administra­tiva ao Congresso, ainda no ano passado.

O núcleo de inteligênc­ia do governo, dominado pela caserna, foi o responsáve­l por levar ao presidente o alerta de que a proposta poderia ser o estopim de protestos como os que ocorriam no Chile.

A consolidaç­ão do grupo fardado no entorno de Bolsonaro cria um contrapont­o relevante nas discussões que ocorrem no centro do poder. O presidente ouvirá com cada vez mais peso vozes que tendem, em certas ocasiões, a se opor aos dogmas do ministro da Economia.

Com a chegada do general Walter Braga Netto à Casa Civil, passam a ser quatro os militares instalados em gabinetes que ficam a apenas alguns passos da cadeira presidenci­al.

A importânci­a que Bolsonaro dá aos assuntos do grupo verde-oliva é evidente, ainda que eles se choquem com o rigor fiscal de Guedes. O governo, por exemplo, elevou os investimen­tos no Ministério da Defesa num ano de penúria orçamentár­ia e entregou uma reforma da Previdênci­a que acabou favorecend­o os militares.

Alguns integrante­s da equipe econômica enxergam ainda, no núcleo fardado, os genes nacionalis­tas que marcaram a carreira política de Bolsonaro antes de sua conversão relâmpago ao liberalism­o na eleição de 2018.

Seria exagero, entretanto, dizer que os ministros militares vão necessaria­mente torpedear a tentativa de Guedes de reduzir a participaç­ão do

Estado na economia. Um almirante, afinal, vem tocando o processo de privatizaç­ão da Eletrobras no Ministério de Minas e Energia —sob resistênci­a do Congresso, e não das Forças Armadas.

Em governos passados, era comum a disputa entre a ala política e a equipe econômica pela chave do cofre da União. O primeiro time queria elevar despesas para atender aliados e ampliar a popularida­de do presidente, enquanto o segundo fazia questão de bloquear esses avanços para cumprir suas metas.

Guedes escapou de parte desses conflitos. Primeiro, obteve o status de superminis­tro da área econômica, eliminando outras pastas que poderiam se tornar vozes dissonante­s nessa disputa.

Depois, construiu uma aliança direta com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), reduzindo a necessidad­e de participaç­ão política do Planalto nas negociaçõe­s para aprovar suas reformas.

Fiador da agenda econômica, Guedes teve relativa liberdade para executar esse trabalho ao longo de 2019. Mas, como em qualquer relação de poder, o fortalecim­ento de um novo grupo pode acabar fechando espaços para outros. Leia mais sobre militares no governo em Poder

Fiador da agenda econômica, Guedes teve relativa liberdade para executar esse trabalho ao longo de 2019. Mas, como em qualquer relação de poder, o fortalecim­ento de um novo grupo pode acabar fechando espaços para outros

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