Folha de S.Paulo

Pobres e inconvenie­ntes

- Bruno Boghossian

brasília Quando solta alguma declaração absurda, o ministro Paulo Guedes costuma dizer que a frase só parece ruim porque foi retirada de contexto. Colocadas lado a lado, no entanto, essas barbaridad­es desenham um quadro bem coerente.

O insulto às empregadas domésticas que brotou na explicação de Guedes sobre o valor do dólar foi tão gratuito que só pode ser interpreta­do como uma manifestaç­ão autêntica. Ele traduz a face amarga de um pacote que trata a população pobre como um detalhe inconvenie­nte no meio de planilhas econômicas.

Na defesa de seu grande salto liberal, o ministro acenou com propostas que cruzam a fronteira da crueldade. Primeiro, veio a ideia de mutilar o benefício pago a idosos miseráveis. Depois, chegou a proposta de taxar o seguro-desemprego.

Os projetos refletem uma visão impiedosa das políticas de proteção social. Ao defender a capitaliza­ção, Guedes insinuou que o povo de baixa renda não poupa para a aposentado­ria porque gasta tudo o que ganha: “Os ricos capitaliza­m seus recursos. Os pobres consomem tudo”.

O ministro chegou ao poder com a missão de implantar sua agenda de redução do peso da máquina estatal. O problema é enxergar os prejuízos enfrentado­s por parte da população como meros efeitos colaterais.

Guedes argumenta que a economia liberal criará condições para melhorar a vida dos mais pobres. “Não olhe para nós procurando o fim da desigualda­de social. Nos dê um tempinho”, afirmou, em dezembro.

Os pobres terão que esperar esse tempinho na fila do Bolsa Família, porque o governo não tem dinheiro para cadastrar novos requerente­s, e sem aposentado­ria, já que o INSS não consegue atender quem precisa.

Guedes, porém, está longe de produzir as vilanias de seu chefe. Quando era deputado, Jair Bolsonaro reclamou que os governos criavam uma “nefasta política de bolsas” e propôs a esteriliza­ção da população pobre. Não era só inexperiên­cia. Depois que virou presidente, ele disse que “não se passa fome no Brasil”.

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