Folha de S.Paulo

Tuítes de Trump inviabiliz­am meu trabalho, diz secretário

Titular da Justiça faz contestaçã­o pública inédita a presidente americano

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“Não vou ser intimidado ou influencia­do por ninguém

Não posso fazer meu trabalho com um constante ruído de fundo que me prejudica

William Barr secretário de Justiça dos EUA

washington | the washington post e reuters O secretário de Justiça dos EUA, William Barr, rebateu nesta quinta (13) as críticas de Donald Trump à sua pasta afirmando que os tuítes do presidente tornam seu trabalho “impossível”. “Não vou ser intimidado ou influencia­do por ninguém.”

Barr está entre os aliados mais leais de Trump —ele é rejeitado pelos democratas, que o veem como nada mais que o advogado pessoal do presidente. Suas declaraçõe­s desta quinta são uma contestaçã­o pública do presidente inédita entre os membros do gabinete do republican­o.

Em entrevista à televisão, o secretário disse ainda que estava preparado para aceitar as consequênc­ias de se posicionar contra o presidente, algo raro no governo Trump.

“Não posso fazer meu trabalho aqui no Departamen­to com um constante ruído de fundo que me prejudica.”

A Casa Branca afirmou em um comunicado que Trump “não ficou de forma alguma aborrecido com os comentário­s e ele tem o direito, como qualquer cidadão americano, de emitir suas opiniões”.

O Executivo disse ainda que o presidente “confia plenamente no secretário Barr”.

O secretário, que acumula a posição de procurador-geral de Justiça, encontra-se sob crescente escrutínio desde terça (11), quando quatro promotores que conduzem o processo contra Roger Stone, amigo de longa data de Trump, renunciara­m em meio a disputa sobre a duração de sua pena.

Stone foi condenado por um júri em novembro por obstruir uma investigaç­ão do Congresso e intimidar testemunha­s (ele teria mentido aos parlamenta­res para proteger o presidente dos EUA).

Na segunda (10), os promotores pleitearam que Stone fosse condenado a uma pena de 7 a 9 anos de prisão —recomendaç­ão feita após longa deliberaçã­o com superiores do Ministério Público.

Na terça, Trump reagiu com irritação no Twitter. “Esta é uma situação horrível e muito injusta. Os crimes reais estavam do outro lado, como nada acontece com eles. Não podemos permitir esse erro judiciário!”, escreveu ele, referindo-se aos democratas.

Horas depois da publicação, altos oficiais do Departamen­to de Justiça considerar­am a pena de 7 a 9 anos excessiva, e um novo pedido foi feito ao tribunal, sugerindo que seria mais justo sentenciar Stone a um período de 3 a 4 anos.

Na quarta, o presidente elogiou a mudança de curso do departamen­to e destacou atuação de Barr. “Parabéns ao procurador-geral Bill Barr por se encarregar de um caso totalmente fora de controle e que talvez nem deveria ter existido”, escreveu Trump no Twitter. “As evidências agora mostram claramente que o processo fraudulent­o de [Robert] Mueller foi contaminad­o e aberto de forma imprópria.”

A porta-voz do Departamen­to de Justiça afirmou que a decisão de revisar a recomendaç­ão foi tomada antes da publicação de Trump e que a Casa Branca não participou das discussões sobre o caso de Stone nos dias que antecedera­m a orientação do promotor. Trump disse que não teve conversas diretas com a

“Esta é uma situação horrível e muito injusta. Os crimes reais estavam do outro lado, como nada acontece com eles. Não podemos permitir esse erro judiciário!

Donald Trump no Twitter, sobre a condenação de seu amigo, Roger Stone

pasta sobre o assunto.

Ex e atuais funcionári­os do Departamen­to se disseram alarmados com a sequência de eventos, questionan­do se a gestão de Barr teria atendido a capricho do presidente num caso de grande repercussã­o.

A presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, disse que os comentário­s de Trump sobre o caso Stone representa­vam uma interferên­cia no funcioname­nto do Judiciário americano.

“É um abuso de poder —o presidente está novamente tentando manipular as autoridade­s federais para servir seu interesse político”, disse Pelosi, democrata, em entrevista coletiva. “É tão errado.”

Todos os dez democratas do Comitê Judiciário do Senado pediram nesta quinta a abertura de uma investigaç­ão, mas o presidente republican­o do painel, Lindsey Graham, rejeitou a demanda. A maioria dos republican­os ignorou o furor. Os democratas pediram que o inspetor-geral investigue a disputa em torno da recomendaç­ão da pena de Stone.

Seth Cousins, que atuou como jurado no caso, disse nesta quinta que estava preocupado com os eventos que levaram os quatro promotores a desistir do caso. “Parece que algo absurdo está acontecend­o.”

Cousins se manifestou depois que Trump publicou uma história da emissora Fox News que acusou alguns dos jurados no caso de Stone de serem politicame­nte tendencios­os.

“Acho que é assustador o fato de que o presidente dos Estados Unidos está atacando cidadãos americanos por cumprirem seus deveres de forma patriótica”, afirmou.

Stone foi um dos aliados de Trump denunciado­s pelo procurador especial Robert Mueller, que conduziu o inquérito que apurou ligações entre a campanha de Trump das eleições de 2016 com a Rússia.

Sua equipe recolheu evidências de que Stone teria agido como elo entre a campanha e o WikiLeaks —o site foi uma das organizaçõ­es que publicou centenas de emails do Partido Democrata nos meses que antecedera­m as eleições. O conteúdo foi obtido a partir de ataque hacker aos servidores da legenda.

De acordo com a acusação, Stone teria comemorado, após a revelação dos emails, os prejuízos que foram causados a Hillary Clinton, adversária de Trump em 2016.

“É um abuso de poder —o presidente está novamente tentando manipular as autoridade­s federais para servir seu interesse político

Nancy Pelosi presidente da Câmara, sobre os comentário­s de Trump sobre o caso Stone

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Sarah Silbiger - 10.fev.20/Getty Images/AFP O secretário de Justiça dos Estados Unidos, William Barr, durante entrevista coletiva na segunda-feira (10)
 ?? Yara Nardi - 15.nov.19/Reuters ?? Roger Stone, amigo de longa data de Trump, cuja pena de prisão foi questionad­a pelo presidente
Yara Nardi - 15.nov.19/Reuters Roger Stone, amigo de longa data de Trump, cuja pena de prisão foi questionad­a pelo presidente

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