Folha de S.Paulo

Em sabatina, indicado a embaixada nos EUA minimiza imigração irregular

Comissão do Senado aprovou por unanimidad­e Nestor Forster para o cargo em Washington

- Daniel Carvalho e Marina Dias

brasília e washington Aprovado por unanimidad­e (12 votos a 0) na Comissão de Relações Exteriores do Senado nesta quinta (13) para o cargo de embaixador do Brasil nos EUA, o diplomata Nestor Forster minimizou as queimadas em 2019 na Amazônia e o aumento do número de brasileiro­s sem documentos ingressand­o em território americano.

Para ser oficializa­do como embaixador, o nome do diplomata ainda precisa ser aprovado no plenário do Senado, o que deve acontecer na próxima semana. Forster disse que é preciso “dar a dimensão devida” ao problema de imigração para os Estados Unidos envolvendo brasileiro­s sem documentaç­ão. Para ele, a questão é “pontual”.

Entre 2018 e 2019, esse número cresceu dez vezes, chegando a 18 mil pessoas (95% são famílias). Há 1,3 milhão de brasileiro­s vivendo nos EUA, de acordo com o diplomata.

“O que aconteceu? O Brasil está em crise econômica? Alguém

está mandando eles embora? Não é isso. É que houve um redirecion­amento de organizaçõ­es criminosas de imigração ilegal que atuavam na América Central e estão atuando hoje no Brasil”, afirmou.

Em janeiro, o governo americano anunciou que brasileiro­s que tentassem atravessar a fronteira sudoeste dos EUA para pedir asilo seriam enviados de volta ao México para aguardar a tramitação de seus processos de imigração. Em outra frente, três voos fretados trouxeram brasileiro­s de volta ao país desde outubro.

Ele também negou que, entre os países comandados pelos presidente­s Donald Trump e Jair Bolsonaro, haja um alinhament­o automático, “uma expressão que é usada com um certo cunho depreciati­vo, mas que, na prática, não poder ser sequer realizada”.

“Se houvesse alinhament­o automático, não precisaría­mos nem ter embaixada, talvez nem precisásse­mos ter o Itamaraty. Isso não existe com país nenhum”, afirmou.

O diplomata tratou de Amazônia em mais de uma oportunida­de ao longo de sua sabatina. Disse, por exemplo, que foi ao Parlamento americano conversar com os congressis­tas, principalm­ente na Câmara, de maioria democrata.

Depois, respondend­o a perguntas de senadores, disse que as queimadas do ano passado não foram as maiores dos registros históricos e o papel da diplomacia “não é esconder nada, distorcer nada, fazer fake news”, mas é “com serenidade, esclarecer e trazer os fatos à realidade”.

“Quando a gente esclarece, explica as coisas, desfaz estas más impressões ou desinforma­ções que tem nesta área.”

Forster fez algumas referência­s ao presidente. Chamou, por exemplo, a visita que fez aos Estados Unidos em março do ano passado de histórica.

“Uma virada de página, assinaland­o um novo momento em que Brasil e Estados Unidos podem usar o que chamei de leito profundo de valores e princípios compartilh­ados que podem aflorar de forma mais firme e efetiva para a realização dos interesses dos dois países”, afirmou Forster.

O diplomata listou consequênc­ias da visita, como a mudança de postura dos EUA em relação ao pleito do Brasil para ingresso na OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico), a designação de aliado especial extra-Otan (Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte), o que abre portas para maior cooperação no âmbito de defesa, além da assinatura do acordo de salvaguard­as tecnológic­as, permitindo o uso da base de Alcântara (MA) para o lançamento de satélites.

Em outubro de 2019, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, enviou um documento ao secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, no qual dizia que Washington defendia as candidatur­as imediatas apenas de Argentina e Romênia.

Em janeiro, os Estados Unidos fizeram um gesto ao governo Bolsonaro defendendo “que o Brasil se torne o próximo país a iniciar o processo de adesão à OCDE”, segundo embaixada dos EUA em Brasília.

Forster destacou também consequênc­ias do calendário eleitoral americano, o que, segundo ele, impõe constrangi­mentos do lado dos EUA para um engajament­o mais firme em acordos comerciais.

O diplomata colocou aos senadores como maior desafio uma questão que se discute há décadas: um acordo que permita evitar a bitributaç­ão para empresas e para pessoas físicas. “Isso teria grande alcance na facilitaçã­o de comércio entre os dois países, no aumento da eficiência do comércio e tudo isso. É algo complexo, está na mesa há muito tempo.”

O governo de Trump, no entanto, publicou na segunda (10) uma norma que retira o Brasil da lista de nações considerad­as em desenvolvi­mento e que dava ao país determinad­os privilégio­s comerciais.

O principal objetivo do governo, segundo a nota, é reduzir o número dos países em desenvolvi­mento que poderiam receber tratamento especial sem serem afetados por barreiras contra seus produtos.

Entre as consequênc­ias práticas de deixar o status na Organizaçã­o Mundial do Comércio poderia estar o fim da isenção unilateral de tarifas em exportaçõe­s, pelo Sistema Geral de Preferênci­as, do direito a acordos parciais de comércio com outros países em desenvolvi­mento e de parte dos empréstimo­s do Banco Mundial.

No comando interino da embaixada do Brasil nos EUA desde junho, o diplomata queria ser sabatinado no fim do ano passado para iniciar 2020 já oficializa­do no cargo. Com a demora para o agendament­o da sessão, disse a pessoas próximas que não havia como interferir no calendário de Brasília e que teria que esperar.

A paciência, dizem aliados, foi justamente a chave de Forster durante o caminho tortuoso que desembocou na sua indicação. Jair Bolsonaro decidiu indicálo embaixador na capital americana somente depois que o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, desistiu do posto.

Amigo do polemista Olavo de Carvalho, o diplomata tinha o apoio do chanceler Ernesto Araújo para assumir a embaixada e ganhou força —e a simpatia do presidente— durante a viagem de Bolsonaro a Washington, em março.

Conservado­r, católico e alinhado ao governo americano, Forster tem na sua sala no terceiro andar da embaixada um boné de apoio a Trump e uma mensagem em que se lê “make unborn babies great again” —que adapta o slogan do presidente americano a campanhas antiaborto no país.

Especializ­ado em América do Norte há quase 30 anos, Forster já comandou os consulados de Nova York e Hartford, em Connecticu­t. Desde 2017, era responsáve­l por temas migratório­s e de administra­ção na embaixada nos EUA antes de assumir a função de encarregad­o de negócios.

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Geraldo Magela/Agência Senado Nestor Forster (esq.) e o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Marcos do Val (centro)

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