Livro mostra como DJ Noise pôs o Brasil no mapa do techno
Obra destaca trajetória do expoente da noite eletrônica e aborda problemas de saúde mental causados pelo trabalho
SÃO PAULO Quando tinha apenas sete anos, Anderson de Almeida Alves começou a trabalhar como aprendiz de pintor, ajudando seu pai em obras em Belo Horizonte, porque queria ter dinheiro para comprar discos. Aos doze, foi entregador de uma farmácia e, depois, passou a vender roupas. Nas horas livres, discotecava em festas e gravava compilações em fitas K7 que distribuía para os clientes que atendia.
A paixão pela noite e pelos vinis cresceu e começou a dar dinheiro, até que ele tomou coragem, largou o emprego e passou a se dedicar integralmente à carreira de disc-jóquei, na metade dos anos 1990.
Era a época em que a música eletrônica brasileira dava seus primeiros passos em direção à formação de uma cena interna, com casas noturnas e produtores musicais, e também à internacionalização, que ocorreria mais no final da década, quando nomes locais passaram a frequentar o lineup dos principais clubes do mundo. Anderson de Almeida Alves, o DJ Anderson Noise, faria parte de ambos.
Sua história é resgatada agora em um livro ilustrado escrito entre maio e outubro do ano passado pela jornalista Claudia Assef, amiga de Noise há mais de duas décadas. Em uma narrativa afetiva, “O Barulho da Lua” entrelaça depoimentos de conhecidos, familiares e do próprio Anderson Noise com uma série de fotos que documentam como o mineiro ajudou a colocar o Brasil no mapa mundial do techno.
“Os sets e faixas do Noise sempre foram muito explosivos, com BPM acelerado e uma característica bem marcante: elementos divertidos e surpresinhas”, diz Assef, entregando o segredo do sucesso musical de seu personagem. O som de Noise é “pesado, mas nunca fica monótono”, completa.
Noise ajudou também a quebrar barreiras entre estilos, ao executar composições de Mozart, Bach e Villa-Lobos com uma orquestra sinfônica regida pelo maestro João Carlos Martins, em apresentação na Sala São Paulo, em 2009.
A influência do DJ aparece ainda na produção de festas. Se hoje baladas em galpões abandonados e locais inusitados são comuns em São Paulo, isso se deve em parte às locações que Noise escolhia para sediar os eventos que produzia em Belo Horizonte. A lista inclui frigorífico, hospital psiquiátrico, fábrica de açúcar e estacionamento de shopping.
Quem cuidava da porta de suas festas era a mãe, Nirce, que entre 1990 e 2000 trabalhou como hostess —ela tinha 60 anos quando começou, e se montava com um visual meio absurdo, com óculos gigantes, perucas e cílios postiços. “Tinha dia que eu chegava em casa 9h da manhã, feliz da vida”, relata ela no livro. Mamma Noise está agora com 75.
No final do livro, a autora toca brevemente na questão da saúde mental: Noise desenvolveu pânico de avião —depois de ter cartão de milhagens diamante e se apresentar em 32 países— e passou por um episódio de depressão. Tocar em baladas “é uma profissão que tem um tempo de vida útil mais curto, porque exige demais, física e emocionalmente. [...] Um dia o DJ pode estar no topo da onda, no outro pode ser que seu estilo não esteja mais na moda”, diz Assef.
Mas Noise não dá sinais de parar. Aos 50 anos, quer migrar para trabalhos em estúdio e trilhas, e se questiona até quando vai ter energia para tocar em altas horas.
“A música eletrônica é um segmento que de uma certa forma ‘arrebenta’ com os profissionais, por conta dos horários, dos excessos e, por que não, da energia dos eventos.”
O Barulho da Lua - A História do DJ Anderson Noise Claudia Assef. Ed. Prodigital. R$ 59,99 (164 págs.)