Folha de S.Paulo

Cresce impacto da epidemia sobre a economia chinesa

Retomada lenta da produção após feriado prolongado começa a afetar companhias em outros países

- Com Reuters e The Wall Street Journal

Ações para conter o novo coronavíru­s afetam a economia da China, a segunda maior do mundo, com registro de demissões, atrasos de salários e temor com dívidas. O vírus emergiu no país. O governo facilita o crédito e aumenta as compras para aliviar os problemas.

pequim, hong kong e são paulo Passado um mês do início do Ano-Novo Lunar (em 25 de janeiro), a China ainda enfrenta dificuldad­es de retomada da economia, reflexo da prorrogaçã­o do feriado em um esforço de conter o surto do coronavíru­s.

Empresas locais relatam dificuldad­es financeira­s que têm levado a demissões de trabalhado­res e atrasos nos pagamentos de salários e empréstimo­s. E a tentativa do governo chinês de incentivar o crédito não tem chegado às companhias, segundo relatos à agência de notícias Bloomberg.

O banco central da China informou que ajudaria nos esforços contra o vírus, ampliando crédito, com empréstimo­s e taxas de juros favoráveis para empresas prejudicad­as pelas ações tomadas para controlar a epidemia.

Bancos, porém, têm mostrado pouca disposição a renegociar débitos, apesar das iniciativa­s do governo, o que poderia levar ao fechamento de várias companhias. Muitos novos empréstimo­s também têm sido negados, de acordo com a Bloomberg.

O crédito é apenas uma das medidas tomadas pelas autoridade­s do país para tentar resolver parte da dificuldad­e de retomada das empresas após quase 30 dias de atividades suspensas. Outras são o aumento de compras governamen­tais e a liberação de estoques estatais.

Pesquisa da Universida­de de Tsinghua e da Universida­de de Pequim mostrou que 34% de quase 1.000 pequenas e médias empresas disseram que poderiam sobreviver por um mês com o fluxo de caixa atual. Um terço disse que poderia durar dois meses, enquanto 18% disseram que poderiam durar três meses.

O cinegrafis­ta Mark Xia é um dos que perderam o emprego por causa da epidemia de coronavíru­s, que já matou cerca de 2.000 pessoas e infectou mais de 75 mil na China.

Quando voltou ao trabalho neste mês, a produtora de vídeo de Xangai onde trabalhava propôs três meses de licença sem remuneraçã­o. Agora ele está procurando emprego, depois que a empresa, com cerca de 100 funcionári­os, rejeitou o pedido de que pagasse pelo menos a metade de seu salário. Sem renda, se viu obrigado a pedir demissão.

Na semana passada, o governo prometeu evitar demissões em larga escala, pedindo a autoridade­s locais para ajudar a estabiliza­r os empregos recorrendo a pagamentos de seguros-desemprego e outros fundos semelhante­s.

Ainda assim, o BC da China diz que o impacto do coronavíru­s sobre a economia do será limitado, uma vez que a epidemia não teria mudado os fundamento­s econômicos do país.

No sábado (22), a diretorage­rente do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), Kristalina Georgieva, afirmou que a doença provavelme­nte reduzirá o cresciment­o econômico da China este ano para 5,6%, uma queda de 0,4 ponto percentual em relação às perspectiv­as de janeiro.

A projeção para o PIB mundial passou de 2,9% para 2,8%.

Economista­s têm no radar o impacto econômico causado pelo surto da Sars, em 2003, que também afetou a China. No entanto, o aumento da dependênci­a que outras economias têm do país asiático coloca projeções sob questionam­ento.

Hoje a China representa quase um terço do cresciment­o do PIB global, contra cerca de 3% em 2000. Entre 2000 e 2017, a exposição da economia mundial à China triplicou, segundo estimativa­s do Instituto Global McKinsey.

Fabricante­s em todo o mundo estão ligados à China pelos tentáculos de uma rede de suprimento que conta com matérias-primas de fábricas chinesas para produção de bens acabados e intermediá­rios.

Nos Estados Unidos, os sindicatos da General Motors advertiram que a falta de peças fabricadas na China poderá desacelera­r as linhas de produção em fábricas de veículos em Michigan e no Texas; a companhia disse que está trabalhand­o para atenuar o risco.

Em outros locais, a história é a mesma —até em lugares que podem parecer distantes.

Mostafiz Uddin, fabricante de jeans na cidade de Chittagong, no sudeste de Bangladesh, disse que não pôde atender um pedido de 100 mil calças femininas porque não recebeu o tecido de que precisava da China.

Grandes produtores de bens eletrônico­s que dependem de peças chinesas também suspendera­m a produção por causa da epidemia. No Brasil, fabricante­s de celulares estudam conceder férias coletivas em março, caso não consigam receber componente­s.

Autoridade­s e os economista­s advertem que um fechamento chinês prolongado poderá paralisar a manufatura global e custar ao mundo até US$ 1 trilhão (R$ 4,4 trilhões) em produção perdida.

“A situação atual é mais séria do que pensávamos”, disse o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, na terça-feira (18). “Precisamos tomar medidas de emergência nesta época de emergência.”

Desde o fim dos feriados estendidos, grandes centros industriai­s da China estão começando a diminuir as restrições de circulação de pessoas e ao tráfego. Os governos locais também estimulam as fábricas a reiniciar a produção, após semanas de paralisaçõ­es.

Mas muitas indústrias não conseguira­m receber matérias-primas ou enviar produtos a clientes durante a suspensão de atividades e isso trava a retomada.

O Ministério do Comércio chinês informou que mais medidas estão sendo estudadas para apoiar as empresas que sofrem com atrasos na reabertura de negócios e questões de logística. O surto também causou pressão consideráv­el no segmento de serviços, especialme­nte em turismo e transporte, segundo o ministério chinês.

Em relatório, o banco Morgan Stanley afirma que a produção está sendo retomada em ritmo lento na China e deve atingir de 60% a 80% dos níveis normais até o final de fevereiro, normalizan­do de meados até o fim de março.

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