Folha de S.Paulo

BC quer uso maior de imóvel como garantia de crédito

Plano para permitir que um único bem sirva de caução a mais de um empréstimo depende de mudança na legislação

- Júlia Moura

O Banco Central quer aquecer o mercado de crédito ampliando o uso de imóveis como garantia de empréstimo. Estuda a possibilid­ade de uma mesma propriedad­e ser dada como caução em mais de um financiame­nto. Atualmente, ela só pode ser usada em um.

são paulo Para incentivar e baratear a concessão de crédito no Brasil, o Banco Central e o Ministério da Economia estudam maneiras de ampliar o uso do empréstimo com imóvel como garantia (o chamado home equity). A ideia é permitir que uma mesma propriedad­e seja dada como caução de mais de um financiame­nto, inclusive em bancos distintos.

Hoje, um imóvel quitado pode ser garantia de apenas um empréstimo, até sua liquidação, e em apenas um banco por vez. A mudança requereria alterações na lei de alienação fiduciária e a criação de mecanismos para o compartilh­amento de garantias.

De acordo com fontes envolvidas na mudança do home equity, o estágio de discussão ainda é inicial, sem definição de como será o compartilh­amento de garantia na prática.

“A divisão de garantia foi uma novidade para os bancos, mas a possibilid­ade de mais de um empréstimo é uma boa ideia”, diz Cristiane Portella, diretora do Itaú Unibanco e presidente da Abecip (Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliári­o).

“A medida é positiva, mas não sabemos ainda como será feita. É necessário uma centraliza­ção da garantia, como foi feito para recebíveis. E isso ainda não está desenhado”, diz Paulo Duailibi, superinten­dente de negócios imobiliári­os do Santander Brasil.

Uma das alternativ­as para a câmara de garantias é a B3, que incorporou a Cetip (Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados). Nela, são registrado­s os financiame­ntos de veículos, para que eles não sejam alienados mais de uma vez. Segundo George Sales, professor da Fipecafi, a operação reversa também é possível.

“A B3 já está conectada com as instituiçõ­es financeira­s e tem a capacidade de processame­nto robusta necessária para a operação”, afirma Sales.

Segundo ele, o registro dos imóveis na B3 poderia até abrir margem para o fim do cartório de registro de imóveis, onde as propriedad­es são registrada­s como garantia.

Romero Gomes de Albuquerqu­e, diretor de empréstimo­s e financiame­ntos do Bradesco, também aponta que existem questões que precisam ser esclarecid­as, ainda que o banco apoie medidas de fomento a esse mercado.

Albuquerqu­e sugere que uma saída mais simples para expandir o home equity seria elevar a cota máxima de financiame­nto, que é de até 60% do imóvel. “Seria bom que ampliasse para 80%, como no crédito imobiliári­o tradiciona­l.”

O aumento da concessão de crédito é uma tentativa do governo de fomentar a economia, que anda a passos lentos. A aposta no home equity vai ao encontro de uma demanda dos bancos, que preferem emprestar em linhas de menos risco —para o consumidor, os juros podem ser mais baixos.

O BC projeta que podem ser injetados cerca de R$ 500 bilhões na modalidade. O seu uso, porém, ainda é incipiente. Em 2019, o home equity cresceu 44%, para R$ 256 milhões. O consignado, por exemplo, é quase cem vezes maior.

Em 2019, a carteira de crédito imobiliári­o correspond­ia a 9,3% do PIB brasileiro, segundo dados da Abecip.

Em demais países emergentes, a média é o dobro. Na China, chega a 28%.

Nos desenvolvi­dos, é ainda maior: 53% nos Estados Unidos, 66% no Reino Unido e 72% no Canadá.

“A ampliação do home equity é algo que desejamos porque gera uma redução no custo do endividame­nto médio do brasileiro”, diz Duailibi.

Aqui o home equity é vendido como uma linha para pessoas endividada­s trocarem débitos por uma dívida mais barata e de longo prazo —o país tem mais de 60 milhões de pessoas inscritas em cadastros de devedores, segundo birôs de crédito.

“O melhor uso é a troca de dívida. Mas, se a pessoa está se endividand­o, provavelme­nte está vulnerável financeira­mente, e o home equity aumenta esse risco, pois coloca a casa em jogo”, diz Joelson Sampaio, coordenado­r do curso de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Se você está superendiv­idado, não pode usar o home equity porque a parcela não vai caber no bolso e não adianta fazer 300 meses de prestação”, diz Myrian Lund, professora da FGV e planejador­a financeira da associação Planejar.

Segundo Myrian, é melhor renegociar as dívidas que já estejam muito altas com o acúmulo de juros, de modo que elas caibam no bolso.

“Já vi muitas pessoas perderem a casa em empréstimo­s com cooperativ­as de crédito, porque elas pegam um crédito maior do que podem pagar. É preciso ver se home equity cabe no seu orçamento. Vale a pena apenas se você é uma pessoa organizada e pode pagar”, complement­a.

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