Folha de S.Paulo

Depois da Lava Jato, 1 em cada 5 governador­es acabou preso

Eleitos em 2010 e 2014 são alvo de operações policiais inspiradas pela ação, como Cabral

- Felipe Bächtold

Um em cada cinco governador­es eleitos em 2010 e 2014 já foi preso nos últimos cinco anos, período de grande atividade policial na esteira da Operação Lava Jato.

No episódio mais recente, Ricardo Coutinho (PSBPB) foi detido por dois dias em dezembro ao ser investigad­o pela Operação Calvário, que apurou irregulari­dades na gestão de saúde e educação de seu estado.

Ele acabou denunciado em janeiro sob acusação de liderar um esquema que movimentou R$ 134 milhões, o que nega.

Naquelas duas eleições, 46 governador­es foram eleitos. Eles estiveram no alvo de investigaç­ões diversas, a começar pela Lava Jato, aberta em 2014.

O caso mais notório é o do ex-governador Sérgio Cabral (MDB-RJ), condenado em 13 ações no Rio e no Paraná a mais de 280 anos de cadeia. Ele está preso desde 2016.

Seu sucessor e afilhado político, Luiz Fernando Pezão (MDB), teve o mesmo destino —mas obteve habeas corpus e segue monitorado com tornozelei­ra eletrônica.

“É um fenômeno chamado de ‘síndrome de Moro’. Hoje, em qualquer lugar é só condenação, só o Ministério Público fala, o que a defesa fala não tem validade nenhuma Rene Siufi advogado de André Puccinelli, ex-governador de MS que foi preso

são paulo Um em cada cinco governador­es eleitos nos pleitos de 2010 e 2014, os dois mais visados por operações policiais como a Lava Jato, já foi preso em investigaç­ões deflagrada­s nos últimos cinco anos.

O caso mais recente foi o do paraibano Ricardo Coutinho (PSB), que ficou detido por dois dias em dezembro em decorrênci­a da Operação Calvário, que investiga irregulari­dades na saúde e na educação do estado. Em janeiro, ele foi denunciado sob a acusação de liderar uma organizaçã­o criminosa responsáve­l por movimentar R$ 134 milhões.

Dos 46 eleitos para governos em 2010 e 2014 (ano de criação da Lava Jato, que marcou uma guinada em investigaç­ões de corrupção), com mandatos encerrados até 2018, 10 já foram presos. Se tirar da conta os 3 vencedores daquelas duas eleições que já morreram, outros 9 que ainda permanecem à frente de seus estados e 5 que são hoje congressis­tas, a taxa de prisão entre os ex-ocupantes do cargo subiria para 34%.

O mais emblemátic­o caso de ex-governador na cadeia é o de Sérgio Cabral (MDB), condenado em 13 ações penais no Rio e no Paraná a mais de 280 anos de prisão. Detido desde 2016, ele firmou um compromiss­o de delação com a Polícia Federal, homologado no STF (Supremo Tribunal Federal) no início do mês.

As investigaç­ões sobre o emedebista atingiram grandes empresário­s, como Eike Batista, além de diversas esferas de poder no Rio, como Tribunal de Contas, Ministério Público e Assembleia Legislativ­a, e levaram para o cárcere também seu sucessor e afiliado político, Luiz Fernando Pezão (MDB), eleito em 2014.

Pezão foi detido ainda nas últimas semanas de seu mandato, em novembro de 2018, mas obteve habeas corpus no fim do ano passado e permanece monitorado por meio de tornozelei­ra eletrônica. Ele é réu em processo sob responsabi­lidade do juiz Marcelo Bretas.

O levantamen­to da reportagem considera os eleitos de 2010 e 2014 porque a arrecadaçã­o financeira dessas campanhas esteve no centro de depoimento­s de delação que motivaram operações da Polícia Federal no últimos anos.

É desse período, por exemplo, grande parte dos relatos de delatores da Odebrecht e da JBS. A Odebrecht, que firmou em 2016 um dos maiores acordos de colaboraçã­o do país, está na origem dos pedidos de prisão contra dois exgovernad­ores anteriorme­nte de destaque no PSDB: o goiano Marconi Perillo e o paranaense Beto Richa.

Perillo ficou preso só um dia, em outubro de 2018. Foi denunciado sob acusação de corrupção, lavagem e organizaçã­o criminosa e seu caso acabou enviado à Justiça Eleitoral, ainda sem decisão final.

Richa teve três passagens pela cadeia e responde a ações que tratam de suspeitas relacionad­as a contratos de pedágios, construção de escolas e obras em estradas rurais. Sua primeira prisão ocorreu em plena campanha eleitoral de 2018, o que contribuiu para que obtivesse apenas 3,7% dos votos válidos na disputa para o Senado, em outubro daquele ano.

Outro alvo de um apêndice da Lava Jato é Agnelo Queiroz, eleito pelo PT no Distrito Federal em 2010. Ele ficou oito dias detido em 2017 e ainda é réu em um processo que teve origem em colaboraçã­o da empreiteir­a Andrade Gutierrez e que trata da construção do estádio Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014.

No caso de André Puccinelli (MDB), duas vezes governador de Mato Grosso do Sul, o suposto recebiment­o de propina da JBS estava entre os motivos de sua prisão preventiva, que durou cinco meses em 2018.

“É um fenômeno chamado de ‘síndrome de [Sergio] Moro’. Hoje, em qualquer lugar é só condenação, só o Ministério Público fala, o que a defesa fala não tem validade nenhuma. Atualmente no Brasil, a injustiça tarda, mas não falha”, diz o advogado Rene Siufi, que defende o ex-governador de Mato Grosso do Sul.

O advogado de Ricardo Coutinho, Eduardo Cavalcanti, atribui a prisão de seu cliente à “criminaliz­ação da política” a partir da operação com origem no Paraná. “Impulsiono­u órgãos de investigaç­ão a adotar procedimen­tos semelhante­s à Lava Jato, que, com o passar do tempo, apresentou seus vícios.”

A maioria dos eleitos presos contou com habeas corpus de cortes de segunda instância ou de tribunais superiores para deixar o cárcere, como ocorreu com Puccinelli, Coutinho e com José Melo, eleito pelo PROS no Amazonas em 2014.

Preso em dezembro de 2017 sob suspeita de interferir em investigaç­ão sobre desvios na saúde, Melo havia sido cassado em maio daquele ano pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por compra de votos.

O número de ex-mandatário­s detidos no total, consideran­do não só eleitos nos pleitos de 2010 e 2014, ainda é superior: só no Rio, nos últimos quatro anos, todos os cinco governador­es vivos eleitos até 2014 já passaram pela prisão.

Além dos presos, há outros casos de ex-governador­es do período com problemas na Justiça, como o mineiro Fernando Pimentel (PT), condenado em novembro a dez anos e seis meses de prisão na Justiça Eleitoral de Minas por lavagem de dinheiro e tráfico de influência —cabe recurso.

O ex-tucano José Wilson Siqueira Campos, hoje no DEM, é réu na Justiça Federal do Tocantins e chegou a ser alvo de condução coercitiva em 2016.

A favor dos réus está a decisão do STF de novembro passado que barrou a prisão de condenados em segunda instância, o que tende a adiar a volta à cadeia de quem responde a processos em liberdade.

Além de Cabral, outro que estava recentemen­te na cadeia era Marcelo Miranda (MDB), do Tocantins, que foi solto na última quarta-feira (19) por ordem do Supremo. Ele esteve envolvido em uma série de investigaç­ões nos últimos anos, incluindo um desdobrame­nto da Lava Jato.

Três vezes eleito governador, deixou o cargo duas vezes por cassações —a primeira, em 2009, por abuso de poder político, e a segunda, em 2018, por caixa dois.

Na ordem que o levou à prisão, em setembro passado, o juiz federal João Paulo Abe mencionou suspeita de envolvimen­to de Miranda, do pai dele e de um irmão nos assassinat­os de três pessoas em uma fazenda no Pará em 2013.

A suspeita se baseia, entre outros pontos, na delação de Alexandre Fleury, um ex-funcionári­o da família de Miranda. O delator também disse sofrer ameaças do político.

O pedido de prisão afirmava que o grupo é o responsáve­l por “sucessivos atos de apropriaçã­o de recursos públicos”

“Impulsiono­u órgãos de investigaç­ão a adotar procedimen­tos semelhante­s à Lava Jato, que, com o passar do tempo, apresentou seus vícios Eduardo Cavalcanti advogado de Ricardo Coutinho, exgovernad­or da Paraíba que foi preso

que atingem “centenas de milhões de reais”, por meio, por exemplo, de superfatur­amento ou pela não execução de obras.

O ex-governador foi condenado em primeira instância a 13 anos de prisão por dispensa de licitação e peculato, em caso relativo ao primeiro mandato. A defesa nega irregulari­dades, diz que o homicídio em questão já foi esclarecid­o por autoridade­s do Pará eque um juiz de outro estado não poderia citá-lo para fundamenta­r sua decisão. Critica ainda o destaque dado ao relato do delator.

“Desconheço chefe de poder municipal ou estadual que não tenha problema com o Ministério Público. Tudo é crime: licitou é crime, se a empresa tal ganho ué crime. É muito complicado. Tem uma generalida­de que se joga para a sociedade de forma irresponsá­vel”, diz o advogado de Miranda, Jair Alves Pereira.

À exceção de Cabral e de Silval Barbosa, de Mato Grosso, todos esses ex-governador­es negam as acusações.

Eleito pelo MDB, Barbosa passou quase dois anos no regime fechado até 2017, quan- do negociou acordo de colabo- ração coma Justiça. Delatou, entre outros, o atual prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), além de descrever um “mensalinho” na Assembleia Legislativ­a em seu mandato.

“Relatei [os crimes] para passar o estado alimpo. Me arrependo profundame­nte e agora quero recomeça raminha vida ”, disse Barbosa a jornalista­s no ano passado.

As investigaç­ões na época deram destaque a Selma Arruda, a “Moro de saia”. Em 2018, após deixara magistratu­ra, ela se elegeu senadora pelo PSL de MT, mas teve o mandato cassado por abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos na campanha.

 ?? André Borges/Folhapress ?? Governador­es que foram presos, em evento em Brasília quando exerciam o mandato, em 2012: da esq. para a dir., Beto Richa (PSDB), Sérgio Cabral (MDB), Marconi Perillo (PSDB) e Agnelo Queiroz (PT)
André Borges/Folhapress Governador­es que foram presos, em evento em Brasília quando exerciam o mandato, em 2012: da esq. para a dir., Beto Richa (PSDB), Sérgio Cabral (MDB), Marconi Perillo (PSDB) e Agnelo Queiroz (PT)

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