Folha de S.Paulo

Bloquinho de salão

Enquanto festas para adultos minguam nos clubes, aquelas feitas para custear desfiles crescem

- Dhiego Maia

Em nome da sobrevivên­cia de seus bailes à fantasia, clubes paulistano­s concedem meia-entrada a quem estiver de abadá de blocos, colocam trio elétrico em ginásio e aumentam o número de matinês.

são paulo O Carnaval do arcondicio­nado tem se penado para manter o seu lugar na folia de São Paulo. Os bailes à fantasia que já tomaram os principais salões nobres da cidade estão ano após outro diminuindo de tamanho pela escassez de público e pela ebulição da folia de rua.

Em nome da sobrevivên­cia, já há baile estreitand­o laços com os bloquinhos. Essa é a aposta do Clube Atlético Juventus, na Mooca (bairro da zona leste da capital paulista).

Nesta segunda (24), segunda e última noite de baile do clube neste Carnaval, quem estiver trajado com abadá de três bloquinhos de rua selecionad­os vai pagar meia-entrada.

Há outro objetivo por trás da parceria: angariar potenciais novos associados, conta Antonio Ramalho Mendes, diretor administra­tivo e de patrimônio do clube. “Estamos mostrando, ao mesmo tempo, o clube e resgatando o interesse das pessoas por esse tipo de Carnaval.”

É por isso, diz, que o benefício da entrada ficou restrito a foliões de Orra Belo, Bloco do Onze e Bloco do Coroa, todos das redondezas da Mooca.

O Carnatimão, evento do Corinthian­s, fez um movimento mais agressivo. O clube de futebol paulistano substituiu seu baile de Carnaval por um trio elétrico, muito usado nos bloquinhos de rua.

Pelo segundo ano consecutiv­o, o clube da zona leste da capital paulista vai colocar o carro de som no hall de seu ginásio até terça-feira (25).

A diferença é que o equipament­o vai ficar parado, diz Daiane Cotenza, coordenado­ra do evento. “O folião que não for associado ao clube vai pagar R$ 20 por música boa e segurança”, diz.

Cotenza explica que na época dos bailes corintiano­s, a entrada custava cerca de R$ 80 e atraía um público mais idoso. “Mas tinha comida e bebida à vontade”, pondera. “Hoje, os vovôs e as vovós estão indo nas nossas matinês.”

Sim. A festa para a criançada tem sido o plano B de muitos clubes que viram seus bailes minguarem com a ascensão do Carnaval de rua. Os pequenos contam com uma playlist que vai das marchinhas ao axé baiano. Fantasias ligadas a personagen­s de desenhos animados e pintura facial são lei. No Corinthian­s, a matinê termina às 17h.

Na sequência, a partir das 18h, pais que buscam estender a programaçã­o podem acessar o bloco do clube.

No Juventus, há mais matinês do que bailes para adultos: quatro a dois neste ano, diz o diretor Mendes. “A criançada adora o nosso concurso de fantasia. Quem for eleito o dono da fantasia mais bonita vai ganhar uma bicicleta e a chance de usar a estrutura do clube por uma semana.”

No Esperia, na zona norte de São Paulo, o retorno do baile de Carnaval até está na pauta da nova gestão, mas o foco continua sendo as matinês, afirma Eduardo Martins, vice-presidente social do clube.

“Vimos que o Carnaval de rua cresceu muito, mas há poucas opções seguras para as crianças”, diz. “Nossas matinês acabam atraindo um público adulto que gosta de [pular carnaval com] criança.”

Já fora dos clubes, os bailes de Carnaval vêm ganhando terreno e viram alternativ­a para quem quer permanecer na folia até altas horas.

Uma das experts desse tipo de festa é Cristina Naumovs, consultora de Criativida­de e fundadora do Baile do Apego, que também tem o seu bloquinho de rua homônimo com desfile confirmado para o dia 29 deste mês.

Naumovs conta que os bloquinhos de rua estão promovendo bailes quando fazem suas festas fechadas de préCarnava­l para juntar recursos para os desfiles oficiais.

“Mas um baile para ser baile tem regras”, diz. “É preciso um cuidado cenográfic­o para o lugar parecer um baile. Tem que ter serpentina, confete, muito brilho e paetê”, afirma.

Na terceira edição de seu baile, realizada no dia 1º de fevereiro, 996 pessoas ocuparam o salão nobre do Club Homs, na Paulista (centro). Elas desembolsa­ram entre R$ 45 e R$ 70.

Mas o que leva um folião a pagar por Carnaval com a existência dos bloquinhos gratuitos de rua?

“O baile permite mais a ‘montação’. As pessoas estão percebendo que nesse formato de festa há mais segurança, menos perrengue, bebida gelada, banheiro limpo e zero assédio contra as mulheres”, diz.

O “zero assédio”, conta Naumovs, é uma percepção dela a partir das mensagens e do diálogo trocados com as folionas que participar­am do evento.

Para a criadora do Apego, o baile não concorre com o bloquinho de rua.

“Ele não existiria se não fosse o movimento da rua. As pessoas se apaixonara­m pelo Carnaval e querem experiment­ar todas as opções de festa”, diz.

O folião que quiser reviver um antigo baile de Carnaval terá como opção neste domingo (23) o Baile do seu Lalá, no salão do Mundo Pensante.

O nome homenageia Lamartine Babo (1904-1963), autor de marchinhas que o levaram a ser chamado de o rei do Carnaval —algumas delas hoje proscritas, como “O teu cabelo não nega”.

Uma banda com 14 integrante­s comandados pelo músico Pedro Mourão vai apresentar uma série de marchinhas em seus arranjos originais, muitas delas nunca apresentad­as nos desfiles de rua.

De acordo com a produtora Ana Paula César, o baile está na sua sexta edição e vem atraindo o público jovem por ser “um lugar de livre expressão”.

“No ano passado, uma foliona fantasiada de Rê Bordosa [personagem de quadrinho do cartunista Angeli] venceu nosso concurso de fantasias. Ela estava com os seios de fora e teve sua foto censurada no Facebook e no Instagram”, conta. “Mas aqui, no nosso baile, ninguém será ‘cancelado’ por isso.”

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Leo Caldas/Folhapress Bruno Santos/ Folhapress Bloco Boitolo, na Gamboa, no Rio, e o Pena de Pavão de Krishna, em Belo Horizonte; à direita, José Bezerra da Silva, o maestro Lessa, 82, em Olinda
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 ?? Wendy Andrade - 1º.fev.20/Divulgação ?? A edição deste ano do Baile do Apego, criado por Cristina Naumovs, atrai quase mil pessoas ao Clube Homs
Wendy Andrade - 1º.fev.20/Divulgação A edição deste ano do Baile do Apego, criado por Cristina Naumovs, atrai quase mil pessoas ao Clube Homs

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