Folha de S.Paulo

Empresas devem atuar como agentes de transforma­ção social

- Helio Mattar Diretor-presidente do Instituto Akatu

Há uma espetacula­r evolução no manifesto de Davos de 2020 se comparado ao de 1973, o primeiro publicado. Enquanto este último olhava para o propósito da existência das empresas a partir do capitalism­o do acionista, o deste ano faz a reflexão tendo como base o capitalism­o dos “stakeholde­rs”.

O termo se refere às partes que são afetadas por um negócio: empregados, clientes, fornecedor­es, comunidade­s locais e sociedade em geral. O manifesto de 2020 afirma sem rodeios que o foco nos lucros resultante da prática do capitalism­o do acionista se tornou desconecta­do dos desafios da economia real. Ao perceber isso, investidor­es e gestores caminham para o capitalism­o dos “stakeholde­rs”.

Centralmen­te, o documento diz que “o propósito de uma companhia é engajar todos os seus ‘stakeholde­rs’ em uma criação de valor sustentáve­l e compartilh­ada”. Também explicita que nesse processo “a empresa serve não apenas aos acionistas, mas a todas as partes envolvidas”.

Mais do que pagar uma parte justa dos impostos, não tolerar corrupção, defender os direitos humanos em toda sua cadeia e advogar por uma competição leal, o manifesto afirma que uma companhia é mais do que uma unidade econômica de geração de riqueza. “Ela atende a aspirações humanas como parte de um sistema social abrangente.”

Na mesma direção vão as cartas de Larry Fink, diretorexe­cutivo da Black Rock, enviadas no fim de 2018 e 2019 aos diretores de empresas e aos acionistas desse fundo, que administra US$ 7 trilhões. Fink afirma: “Uma empresa não pode alcançar lucros a longo prazo sem ter um objetivo e sem considerar as necessidad­es de uma ampla gama de partes interessad­as”.

As palavras expressam uma preocupaçã­o com cada “stakeholde­r”, a ponto de propor engajá-los no próprio debate sobre criação de valor de forma sustentáve­l e compartilh­ada.

Mas o que levou a essas mudanças nas organizaçõ­es filiadas ao Fórum Econômico Mundial? Klaus Schwab, em artigo recente, aponta a necessidad­e do manifesto de Davos para um melhor modelo de capitalism­o e diz que as novas atitudes são decorrênci­a do efeito Greta Thumberg.

Sem discordar da importânci­a do movimento liderado pela valorosa Greta, acredito que exista um impulso adicional, visto que as mudanças de atitudes se iniciaram antes e consolidar­am uma percepção de que há um forte risco à própria licença para operar por parte das empresas.

Há duas décadas, pesquisas feitas pelo Instituto Akatu no Brasil e pela Globescan em mais de 20 países vêm mostrando que 60% dos consumidor­es acreditam que é papel das empresas não apenas seguir o que as leis determinam, mas contribuir para o desenvolvi­mento da sociedade.

Em estudo sobre Vida Saudável e Sustentáve­l, realizado em parceria pela Globescan e pelo Akatu, em 2019, os consumidor­es brasileiro­s foram além: 55% acreditam que os governos devem exigir que as empresas trabalhem em prol de uma sociedade melhor, mesmo implicando em preços mais altos e menos empregos.

Nessa mesma pesquisa, entre os consumidor­es brasileiro­s de classes mais altas, formadores de opinião, 83% querem empresas que causem um impacto positivo na comunidade ou no mundo; 73% querem empresas que os ajudem a mostrar a melhor versão de si próprio; e 69% querem empresas que os ajudem a ser parte de um movimento maior do que ele mesmo.

A sociedade está demandando que as companhias atuem como agentes sociais transforma­dores da maior importânci­a. Está dizendo, ainda, que vai recompensa­r as mais sustentáve­is, caso desenvolva­m uma relação de transparên­cia com os consumidor­es ao informar sobre suas ações. Uma grande oportunida­de. Ou uma grande ameaça.

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