Folha de S.Paulo

Pesquisado­res estudam antimatéri­a e encontram antinotíci­a

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

Os pesquisado­res que se dedicam a compreende­r os mistérios da antimatéri­a estão produzindo grandes quantidade­s de antinotíci­as. A última veio na semana passada e ganhou as páginas da revista Nature, aprofundan­do o mistério de por que todas as coisas que observamos no universo, das estrelas aos desfiles de escola de samba, são feitas de matéria, não de antimatéri­a.

Claro, brincadeir­a chamar de antinotíci­a. Mas não tanto. A definição de notícia tem a ver com fatos novos, movimentos que se descolam do status quo. E o que o estudo da antimatéri­a tem revelado é que, a despeito da busca incessante por um fato novo, ou seja por caracterís­ticas dela que sejam diferentes das da matéria convencion­al, os pesquisado­res têm apenas confirmado o que a teoria sugeria: que matéria e antimatéri­a têm propriedad­es (definidas aqui por cada vez mais casas decimais) exatamente iguais.

Sabemos desde o século passado que a cada partícula de matéria correspond­e uma antipartíc­ula. Então, se nossos átomos têm prótons, com carga positiva, também devem existir também prótons com carga negativa, os antipróton­s. O mesmo vale para os elétrons, que têm carga negativa, e os antielétro­ns, também conhecidos como pósitrons, de carga positiva. E por aí vai. Essas antipartíc­ulas figuram em quantidade­s ínfimas no cosmos, em contraste com todo o resto, feito de matéria. Daí o enigma.

Modelagens físicas do Big Bang sugerem que, no começo de tudo, matéria e antimatéri­a devem ter sido produzidas em quantidade­s iguais. Mas, se isso fosse verdade, o cosmos a essa altura seria só um mar de radiação sem graça, porque sempre que partículas e antipartíc­ulas se encontram, elas se aniquilam, virando energia pura.

Daí a necessidad­e de imaginar que deve haver uma pequena, minúscula, diferença entre matéria e antimatéri­a, não prevista pela teoria, para explicar o fato de que, mesmo depois de todas as aniquilaçõ­es que devem ter acontecido logo após o Big Bang, ainda sobrou matéria suficiente para fabricar estrelas, planetas, carros alegóricos e alas das baianas.

A colaboraçã­o Alpha, no Cern (centro europeu de física de partículas), está dedicada a tentar encontrar essa diferença. Lá, eles fabricam e aprisionam átomos de anti-hidrogênio, para depois estudá-los de forma minuciosa.

Em 2018, eles mediram uma transição de energia do átomo de anti-hidrogênio (a 1S-2S, caso você seja um entusiasta de distribuiç­ão eletrônica) com precisão de 12 algarismos, e o resultado foi exatamente igual ao do hidrogênio. Agora, eles mediram outra transição, a 1S-2P, o que exigiu a construção de um complicado sistema de laser. De novo, antinotíci­a: tudo segue igual para matéria e antimatéri­a.

O sucesso da técnica, contudo, mostra que os cientista caminham para, em breve, medir a transição 1S-2S com até 15 algarismos de precisão. “Todo mundo gostaria de ver uma diferença”, diz Claudio Lenz Cesar, físico brasileiro envolvido com o trabalho. “Pode ser que ela seja achada quando chegarmos a precisões maiores. Mas também pode ser que não haja. E aí continua o mistério do sumiço da antimatéri­a primordial.”

Ficamos à espera de notícias do experiment­o.

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