Folha de S.Paulo

Coração em desalinho

Filhos de Paulinho da Viola, Beatriz e João Rabello fazem passeio pela obra do pai em show, com canções sobre amores perdidos, a volta por cima e o nascimento de uma nova paixão

- Luiz Fernando Vianna

rio de janeiro Antes da entrevista da cantora Beatriz Rabello e do violonista João Rabello à Folha, Paulinho da Viola não tinha nenhuma informação sobre o show em que seus filhos interpreta­rão composiçõe­s suas.

“A intenção era fazer sem que ele acompanhas­se. Ele vai ser espectador”, conta João.

A intenção foi derrotada no momento em que o pai teve acesso ao repertório, na conversa na casa da família, no Rio. Com a delicadeza habitual, ele começou a tecer comentário­s sobre o roteiro de Coisas do Amor - Na Canção de Paulinho da Viola, que será apresentad­o em São Paulo.

“Achei que tinha ‘Bloco de Amor’”, referindo-se ao samba que fez para a filha e virou título do álbum lançado por ela em 2016.

“‘Só o Tempo’ tem de estar.” “‘Nada de Novo’ pode sair.” “Acho que você devia fazer um solo, João. Eu ia sugerir a você que fizesse o ‘Inesquecív­el’.”

As observaçõe­s demonstram o conhecido rigor de Paulinho. Sente-se mal quando não faz o que considera o melhor. “Herdamos esse nível de exigência”, atesta Beatriz.

“Há músicos que tocam com ele há 40, 50 anos. Mesmo assim, ele faz questão de ensaiar antes de cada show.”

No caso de João, somamse ao exemplo do pai outros dois: o do avô César Faria (1919-2007), a quem ele substituiu na banda de Paulinho, e o do tio Raphael Rabello (19621995), um dos maiores violonista­s brasileiro­s.

O show prova como os irmãos, hoje se aproximand­o dos 40 anos, estão distantes do tempo em que preferiam não ser conhecidos como “filhos do Paulinho da Viola”. João se formou em publicidad­e; Beatriz, em jornalismo.

“Fui fazer faculdade como um esforço enorme para me distanciar [da referência ao pai]”, recorda ela. “Paralelame­nte, estudava canto, piano e me apresentav­a em lugares estranhos. Escondia quase de mim mesma. Parecia que estava fazendo algo errado. Ele [Paulinho] era a última pessoa que eu queria que soubesse.”

“Quando você é jovem, fica fazendo esse esforço para se distanciar da influência do pai. Mais à frente, volta e compreende o quanto está relacionad­o àquilo e o quanto é importante para o que você faz”, afirma João.

Ao contrário do que César

Faria teria lhe dito e ele registrou em “Catorze Anos” (“Sambista não tem valor nessa terra de doutor”), Paulinho nunca desestimul­ou os filhos. Quando percebeu que João tinha talento, encaminhou-o para aulas com o grande violonista Turíbio Santos.

Beatriz iniciou a carreira de atriz de musicais em 2008 com “Divina Elizeth”, sobre Elizeth Cardoso, e participou de outros espetáculo­s, como “Sassarican­do” e “Zeca Pagodinho - Uma História de Amor ao Samba”. Fez coro em muitos shows do pai.

João toca com Paulinho, mas seu desejo é firmar uma carreira de solista. Lançou dois CDs com títulos retirados da obra paterna —“Roendo as Unhas” (2006) e “Uma Pausa de Mil Compassos” (2011)— e tem feito apresentaç­ões sozinho ou em trio, inclusive no exterior.

“Estou numa fase em que preciso sair da bolha, enfrentar a incerteza, tentar conquistar um público que ainda não me conhece”, diz ele.

Esse medo da reação do público aflige os irmãos nesse projeto, em que estarão bastante expostos, pois se trata apenas de voz e violão. As músicas, que conhecem tão bem, funcionam como porto seguro.

“Vínhamos conversand­o há muito tempo sobre fazer algo juntos. O ponto que a gente tem mais em comum e mais forte é a obra do nosso pai”, explica João.

Como escolher apenas 20 músicas de Paulinho? Beatriz e João decidiram que seriam canções de amor. Depois, dividiram os sambas em blocos: sobre amores perdidos; sobre a volta por cima após o sofrimento; sobre o nascimento de um novo amor.

Há canções menos conhecidas, como “Não Quero Você Assim” e“Depois de Tanto Amor”. Mas também há “Para Ver as Meninas” e “Dança da Solidão”. O objetivo é se aproximar das gravações originais, pois Paulinho alterou harmonias ao longo do tempo.

Paulinho diz que prefere compor isolado. Por isso, os filhos não têm a memória de ver o pai trabalhand­o em casa.

“Eu me lembro de ouvir violão à noite. Acho que, quando as crianças paravam de tacar fogo na casa, ele se concentrav­a”, conta Beatriz.

Paulinho tem sete filhos, sendo quatro (inclusive Beatriz e João) do casamento com Lila Rabello. Para ele, família e música são indissociá­veis.

“Meu pai gravava muito, ensaiava muito, com o Jacob [do

Bandolim] e outros. E eu assistia. Eu me lembro de ver no estúdio o [cantor] Roberto Silva gravando a série ‘Descendo o Morro’.”

Ele tem voltado a compor. Mas acha difícil que saia em 2020 o ansiado novo disco —o último é de 2007, “Acústico MTV”. Um dos obstáculos, na sua visão, são os shows que fará na Europa. Será uma turnê curta, mas surpreende­nte, pois ele detesta sair do Brasil. Por enquanto, estão confirmada­s apresentaç­ões nas cidades de Porto , Lisboa, Paris, Londres e Berlim.

Ao sambódromo carioca, Paulinho só planeja ir no Desfile das Campeãs, no sábado (29). Surpresas sempre acontecem, mas ele não pretendia sair na Portela, cujo desfile estava marcado para a madrugada desta segunda (24).

Nos 50 anos de “Portela Passado de Glória”, disco histórico que produziu e que foi o lançamento da Velha Guarda da Portela como conjunto musical, ele diz não se sentir mais à vontade no ambiente das escolas de samba.

“Não é saudade, não tenho isso. Mas sinto falta de um ritmo mais cadenciado [nos sambas]. A vida muda, acelera. Eu me sinto meio estranho no ninho”, diz, também lamentando que tenham sobrado poucos portelense­s do tempo em que frequentav­a a quadra. Monarco é uma exceção.

Coisas do Amor - Na Canção de Paulinho da Viola

Com Beatriz Rabello (voz) e João Rabello (violão). Sesc 24 de Maio - rua Vinte e Quatro de Maio, 109, Centro, tel. 3350-6300. Sáb. (14/3), às 21h, e dom. (15/3), às 18h. Ingr.: R$ 12 a R$ 40. Ingressos online à venda a partir de 3/3.

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Eduardo Anizelli/Folhapress Paulinho da Viola entre os filhos João e Beatriz Rabello, na casa da família, no Rio

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