Folha de S.Paulo

Provocado por Tas, Jô Soares fala de sexualidad­e, política e TV

- Cristina Padiglione

são paulo Frente a frente com Jô Soares para gravar a edição de abertura da nova temporada do “Provocaçõe­s”, na TV Cultura, agora rebatizado como “#Provoca”, Marcelo Tas quer saber quando é que o seu entrevista­do não confiou no próprio taco?

“Nunca”, ele responde. “Sempre fui pretensios­o”, emenda.

Não é todo dia, afinal, que se tem alguém sentado a sua frente com tanta história para contar e disposto a ser transparen­te. Se bem que ao fim da gravação, após submeter a Jô uma lista de seus personagen­s famosos e tentar saber quais deles não teriam espaço no contexto atual, Tas concluiu que Jô estava “muito bonzinho”. Para o diretor, escritor e humorista, nenhum de seus tipos deixaria de encontrar eco no mundo de hoje.

“Não seria hora de trazer o Capitão Gay de volta?”, pergunta Tas, sobre a necessidad­e de um super-herói homossexua­l nesses dias de tamanho repúdio republican­o à sigla LGBT. “O Capitão Gay está aposentado”, brinca Jô.

Os dois, aliás, falam abertament­e sobre as dúvidas de que são alvo, desde sempre, a respeito de suas orientaçõe­s sexuais. Desde Ituverava, interior de São Paulo, sua terra natal, Tas já ouvia a gente do pedaço questionar se ele não era “viadinho”.

Da mesma forma, Jô atiçou a sanha dos curiosos sobre sua sexualidad­e em várias ocasiões. “Dizem assim: ‘ele namorou a Cláudia Raia’, ‘mas é viado’, rebatiam”, diverte-se o gordo, agora 80 kg mais magro.

“O fascínio sobre o rótulo é incrível”, diz Jô. “Você vai na farmácia sabendo que o genérico é igual ao outro, mas você quer o outro por causa do rótulo. O cara poder dizer que nós somos dois viados velhos lhe dá uma alegria enorme”, ri. “A mim também dá alegria”, reage Tas. Vamos ao que interessa: Jô comenta sobre o próximo projeto teatral, “Gaslight”, do filme homônimo com Ingrid Bergman, que se tornou uma expressão relacionad­a à sexualidad­e tóxica masculina em estudos psicológic­os sobre o assunto.

Fala que tem mais um livro em mente, mas nada autobiográ­fico, como os dois volumes do ótimo “O Livro de Jô” (Companhia das Letras), em parceria com Matinas Suzuki Jr.

E como raras vezes diante de uma câmera, fala com detalhes sobre a convivênci­a com o filho Ranha, que era autista e morreu aos 50 anos, em 2014.

Tasquissab­erseJônãos­ente falta de seu expediente na TV. Mas nem remotament­e, responde o entrevista­do. O apresentad­or acredita que saiu da programaçã­o no momento certo, de certa forma quando a TV linear entrava em um processo irreversív­el de decadência (de consumo, não de qualidade), em razão da expansão de outros hábitos, especialme­nte o streaming.

A abordagem política permeia vários momentos do programa. Tas provoca Jô sobre as ameaças de censura que têm pipocado em várias ocasiões, mas Jô diz que estamos protegidos pela Constituiç­ão. “Podem tentar, mas não há como.”

Jô se diz assustado com pessoas que admitem ter votado em Jair Bolsonaro só para fugir do PT, algo “doente”. Tão “doente” quanto o próprio PT, fala, que precisa fazer uma autocrític­a para seguir em frente.

Sem poupar A ou B, Jô se define como “um anarquista”.

A conversa vai ao ar em março, na TV Cultura, inaugurand­o cenário e a temporada 2020 do programa criado por Antonio Abujamra e repaginado por Tas.

Em horário bem mais cedo do que a faixa ocupada por Jô ao longo de seus anos de talk show, vale a pena não ir para a cama sem essa.

#Provoca

Terça (10/3), às 22h15, na TV Cultura

 ?? Cristina Padiglione/Folhapress ?? Marcelo Tas e Jô Soares no durante gravação do programa ‘#Provoca’
Cristina Padiglione/Folhapress Marcelo Tas e Jô Soares no durante gravação do programa ‘#Provoca’

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